Há vontade política para abrir as negociações de adesão com a Ucrânia já em dezembro. Mas isso está longe de significar uma entrada rápida do país na União Europeia. Os 27 deixam claro que não estão prontos para aceitar novos membros. Em Granada, o debate do alargamento começou a ganhar gás, mas as declarações dos líderes apontam para uma discussão em lume brando, sem prazo de validade e que vai exigir grandes e difíceis reformas internas.
António Costa sugere que a UE se transforme num "edifício multifunções", com "fundações de sólidas" de valores, mas em que cada um "utiliza os espaços de acordo com a própria vontade de participar" no projeto, uma espécie de centro comercial europeu. "É como se fosse uma grande superfície: há uma área comum, uma área de restauração onde só vai quem quer comer, uma área de lojas de roupas onde só vai quem quer comprar roupa, há uma área de cinema onde só vai quem quer ir ao cinema. É um espaço para todos e em que cada um o utiliza à medida da sua vontade", explicou aos jornalistas no final da cimeira informal de líderes.
O primeiro-ministro vê no alargamento "um enorme desafio", mas também "uma oportunidade" para se ultrapassarem as dificuldades que existem hoje e que impedem vários dossiers de avançar, das migrações às reforma das regras orçamentais. Questionado sobre se defende uma Europa a várias velocidades, Costa prefere falar antes de uma nova abordagem de para uma União "mais flexível e mais coesa" para evitar "roturas" e "tensões".
A reflexão está lançada e o Presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, pôs três perguntas em cima da mesa: quais as prioridades; como se pagam e como se decide numa Europa de 30 ou mais membros? O chanceler alemão insiste que as decisões sobre política externa e sobre fiscalidade devem deixar de ser por unanimidade e passar à maioria qualificada. E a questão do dinheiro é fundamental. "Temos de considerar os aspetos financeiros do alargamento. Vários beneficiários vão passar as ser contribuintes líquidos", avisa Olaf Scholz.
Uma bazuca "permanente"
Mas Costa não responde se Portugal está pronto a passar a contribuinte líquido. Ainda assim não tem dúvidas de que a entrada de novos países, incluindo da Ucrânia, implica mexer na estrutura orçamental. "Cada vez mais as politicas, como a de coesão, vão estar concentradas nos novos países", admite. Só que isso não significa a perda de fundos. O primeiro-ministro pede um "PRR permanente", onde Portugal possa ir buscar no futuro dinheiro para investimentos e reformas para fomentar a competitividade, tal como faz com o atual Plano de Recuperação e Resiliência.
O debate é sensível. E o primeiro-ministro belga diz que a UE não está pronta. "Várias coisas têm de ser repensadas: os fundos de coesão, os subsídios agrícolas e, mais importante, como se decide". Alexander de Croo considera que o alargamento tem vantagens, tanto em termos económicos, como de segurança. "Mas nem nós, nem os países candidatos estamos prontos e duvido que estejamos até 2030".
Foi Charles Michel que lançou a data no verão, na Eslovénia, e agora em Granada justificou que uma meta temporal "encoraja" a avançar. Ou seja, pressiona. Mas ninguém quer para pôr datas no papel. Diz De Croo "que não pode haver atalhos" para entrar e que os critérios europeus são para cumprir. Costa remata o assunto. Rejeita qualquer "data mágica" e aconselha que não haja "obsessão" com 2030.
Na ótica espanhola, a única coisa certa em 2030 "é o mundial de futebol" que o país vai organizar com Portugal e Marrocos. Foi essa graça que Pedro Sánchez fez na conferência de imprensa final quando o questionaram sobre a data de Michel para o alargamento. O presidente do Governo espanhol a mostrar cautela, apesar de ter sido ele a confirmar, esta quinta-feira, que há "vontade política de todos os países " para "continuar a dar passos que permitam abrir já as conversações de adesão" com a Ucrânia, ou seja, na cimeira de Dezembro e mediante uma avaliação positiva da Comissão que deverá ser conhecida no início de novembro.
Orban fala em “violação legal” da Hungria e Polónia
A cimeira de Granada quase acabava sem uma Declaração final. Polónia e Hungria bateram o pé ao parágrafo sobre migrações. Varsóvia e Budapeste queriam que os restantes se comprometessem a aprovar o novo Pacto de migrações e asilo que está a ser negociado com o Parlamento Europeu por consenso, quando as regras dizem que as decisões nesta área são por unanimidade. Queriam conseguir um poder de veto, numa pacote legislativo que inclui, por exemplo, um mecanismo solidário de distribuição de refugiados e que é amplamente criticado e rejeitado pelos dois países.
Os restantes não cederam e a solução foi retirar da Declaração de Granada qualquer referência à gestão de migrações. Só assim houve um texto formal que reafirma o apoio à "Ucrânia e à sua população todo o tempo que for preciso" e que reconhece que o "alargamento é um investimento geoestratégico na paz, na segurança, na estabilidade e na prosperidade".
Orban não ficou satisfeito. Logo pela manhã, à chegada à reunião foi duro na promessa de não deixar passar nada que não incluísse o pedido de decisão por unanimidade nas migrações. Argumenta que no passado, em Conselho Europeu, os líderes assumiram o compromisso de procurar o consenso nesta área sensível. "Agora, a situação mudou e a Hungria e a Polónia foram excluídas do compromisso. A Hungria foi legalmente violada e forçada a aceitar algo", atirou aos jornalistas.
A negociação das regras de Migração e Asilo arrasta-se há anos. O desacordo é grande e a tentativa de alcançar um acordo por consenso mostrou que enquanto foi essa a receita, não houve avanços significativos. O desfecho da Declaração em Granada é também por isso um ponto de partida e de reflexão para a reforma que a UE vai ter de fazer antes de passar de 27 para 35.