Internacional

Amnistia Internacional: Liberdade de expressão e acesso a comida e água são maiores preocupações para 2023

O direito à manifestação pacífica, a liberdade de expressão e o acesso à alimentação e água são as maiores preocupações para 2023 do diretor da organização de direitos humanos em Portugal

OZAN KOSE/AFP/Getty Images

Prestes a assinalar o Dia Internacional dos Direitos Humanos, no sábado, o diretor executivo da Amnistia Internacional em Portugal explicou à agência Lusa quais as questões que considera que serão as suas maiores inquietações no próximo ano. Para Pedro Neto, as prioridades são direito à manifestação pacífica, a liberdade de expressão e o acesso à alimentação e água.

“Preocupa-me muito a questão da liberdade, do direito à manifestação, do direito das pessoas a dizerem aquilo que pensam, de se manifestarem pacificamente”, afirmou Neto, acrescentando que estão em risco “a liberdade de pensamento e o jornalismo de qualidade, o jornalismo de investigação, que incomoda e serve como quarto poder”.

O problema arrasta-se a nível global e “é cíclico”, adianta o responsável da organização não-governamental. “Há muitos países onde os jornalistas e os defensores dos direitos humanos ou os ativistas pelo clima estão a ser muito reprimidos e silenciados”, referiu, lembrando o caso do Irão. “O que se está a passar por causa da morte da jovem Mahsa Amini, da polícia dos costumes e da questão do hijab [véu islâmico] mal posto” é, segundo Neto, exemplo da repressão e intimidação que agridem os direitos humanos.

Três meses de contestação

O Irão é palco, há três meses, de uma onda de protestos sem precedentes desde a Revolução Islâmica de 1979. Começou quando aquela jovem curda iraniana morreu no hospital, depois de ter estado detida pela chamada polícia dos costumes ou da moralidade, responsável por verificar o cumprimento do rígido código de vestuário feminino do país.

Após três meses de contestação nas ruas, violentamente reprimida pelas autoridades, surgiu o anúncio da extinção da dita polícia, mas os sinais dados por Teerão têm sido muito dúbios. Quinta-feira o regime teocrático executou um manifestante, pela primeira vez desde o início dos recentes protestos.

“A utilização da pena de morte como ferramenta para silenciar estas pessoas, para ameaçar e intimidar, é um assunto que me preocupa muito”, admitiu Neto. Outra questão a que a Amnistia dará atenção em 2023 é a dos “direitos económicos, numa altura de inflação tão grande”.

“Numa altura em que conseguimos prever que poderá haver mais fome no próximo ano, a questão dos direitos económicos, de as pessoas não terem mínimos para viverem, de não terem acesso à alimentação e água” é um receio que tem aumentado com o agravamento de taxas de juro e inflação, alerta o ativista. A falta de acesso aos bens essenciais para as pessoas conseguirem viver está a aumentar “um pouco por todo o mundo e também em Portugal”.

“À nossa escala, há desafios que em 2023 podem ser muito grandes. É preciso estar atento, não só para fazer um trabalho de assistência a situações de urgência, mas também à formulação de políticas públicas que possam ajudar as pessoas a reerguerem-se e a tomarem conta da sua vida e lutarem por ela”, apontou o responsável. Considera essencial criar “essas políticas públicas para poder resistir à fase difícil que aí pode vir”.

Medo do inverno ucraniano

Por outro lado, referiu, há países onde a violação dos direitos humanos é persistente e, por isso, estão sempre entre as preocupações da organização. Admite que possa ser injusto apontar especificamente os piores nesta matéria, porque “quem sofre de abusos de direitos humanos sofre de forma absoluta”.

“Temos, claro, de olhar para a Ucrânia, vítima de uma agressão bélica por parte da Federação Russa e onde, por causa da guerra, os abusos de direitos humanos e das pessoas civis são atrozes”, afirmou. Destaca os casos das crianças, mulheres e idosos. “São os que ficaram, os que não quiseram ou não puderam fugir”, mas “as suas casas estão destruídas e este inverno vão viver de forma absolutamente inenarrável, com falta de alimentação, de aquecimento, de abrigo, de tudo”.

Segundo o diretor executivo daquela que é uma das maiores ONG humanitárias do mundo, como a Ucrânia, todos os países que vivem conflitos são suscetíveis à violação de direitos humanos. “Onde há guerras, há uma série de direitos humanos violados”, afirmou. Aponta países como a Eritreia e a Etiópia, mas também o Iémen, “um conflito que dura há tantos anos que a escassez de alimentos e de água já é o normal”.

Portugal também preocupa

Depois “temos de falar também em Myanmar [antiga Birmânia], temos de falar na China, temos de falar na própria Rússia, onde dissidentes e defensores de direitos humanos sofrem tantos abusos de direitos humanos, temos de falar na Venezuela e na Síria”, enumerou. Alerta que os exemplos preocupantes não ficam por aqui.

“Temos de falar em São Tomé e Príncipe, que é um território que está neste momento com alguma convulsão, temos de falar também em Moçambique, onde a questão de Cabo Delgado continua por resolver, temos de falar em muitas realidades que sofreram nos últimos anos e onde a pandemia piorou as condições”, prosseguiu.

Neto deixa um aviso sobre a necessidade de olhar “com muita atenção” para “a realidade concreta” em Portugal. “Claro que não seremos um país no topo dos que mais ofendem direitos humanos”, mas “há trabalhadores migrantes, refugiados que não são bem integrados, pessoas sem-abrigo e, com esta questão da inflação e da pandemia, quem era pobre ficou ainda mais pobre”.

E conclui: “Há muita gente em risco de perder a casa durante o próximo ano. Há mais de 36 mil famílias que não têm casa condigna neste momento em Portugal. Portanto, a habitação, a discriminação multissetorial e interseccional, a discriminação das mulheres, a discriminação por género e por origem étnica” são prioridades para a organização.