Internacional

Um morto e mais de 30 feridos após intervenção policial no funeral do músico angolano “Nagrelha”

Um jovem morreu e 33 pessoas ficaram feridas durante o funeral do artista, especializado no estilo kuduro. Partidos angolanos destacaram o contributo para a cultura de “Nagrelha”, que morreu de cancro do pulmão

Intervenção policial em Luanda durante o funeral do artista “Nagrelha”
AMPE ROGÉRIO/EPA

Um jovem morreu e 33 pessoas ficaram feridas durante o funeral do músico angolano “Nagrelha”, esta terça-feira em Luanda. Os feridos incluem 16 polícias, dois dos quais esfaqueados com gravidade, segundo balanço da polícia da capital angolana.

Em declarações à agência Lusa, o porta-voz do comando provincial de Luanda da Polícia Nacional, superintendente Nestor Goubel, adiantou que a vítima mortal será um adolescente de 13 ou 14 anos. Foi asfixiado durante o tumulto que teve lugar nas imediações do cemitério, tendo morrido a caminho do hospital.

O funeral do músico Gelson Caio Mendes, mais conhecido como “Nagrelha”, mobilizou milhares de pessoas que acorreram ao cemitério da Santa Ana. Por motivos de segurança, o local estava encerrado e exclusivamente reservado ao funeral de “Nagrelha”. “Face à tentativa de invasão do cemitério, as forças policiais foram obrigadas a dispersar a multidão desordeira”, refere a polícia, num comunicado a que a Lusa teve acesso. Ter-se-ão ouvido disparos, já que, apesar de estarem mobilizados 800 agentes, a polícia teve dificuldade em controlar os grandes aglomerados.

“‘Nagrelha’ Presidente”

Centenas de pessoas acorreram ao Estádio da Cidadela, onde decorreram as homenagens, e de onde saiu um cortejo a pé, em candongueiros e com milhares de motoqueiros em direção ao cemitério. Ao longo do cortejo, ouviam-se jovens a chorarem e a gritarem “filho de Zedu”, referência ao ex-Presidente angolano José Eduardo dos Santos. Muitos empunhavam cartazes e houve quem gritasse “‘Nagrelha’ Presidente, João Lourenço chefe de Estado”.

O lançamento do gás lacrimogéneo provocou uma debandada e desmaios, com várias pessoas caídas no chão. Durante a operação de reposição da ordem pública morreu o referido menor, ainda por identificar. Houve ainda danos materiais, nomeadamente em quatro viaturas da polícia e cinco autocarros vandalizados, uma motorizada carbonizada e numa esquadra móvel, bem como roubo de botijas de gás e grades de cerveja em quantidade não determinada.

“Foram detidos 18 cidadãos suspeitos de práticas indecorosas”, acrescentam as autoridades. O comunicado refere que se previa “uma moldura humana considerável”, face à legião de fãs do músico e a notícias veiculadas nas redes sociais que davam conta de incitação a práticas de desordem social, roubos e arruaças. Foi definido um conjunto de medidas “com vista a anular todas as ameaças”.

Cancro leva artista aos 36 anos

No entanto, quando eram 9h registou-se um número elevado de pessoas na Avenida Deolinda Rodrigues, durante o cortejo fúnebre, que pretendiam aceder ao cemitério do Santana, o que levou à intervenção policial que dispersou a multidão com recurso a gás lacrimogéneo. Na debandada que se seguiu, várias pessoas ficaram feridas ou desmaiaram, testemunhou a Lusa no local.

O artista, mais célebre cantor do estilo kuduro, morreu aos 36 anos em Luanda de cancro no pulmão, segundo o Complexo Hospitalar de Doenças Cardiovasculares D. Alexandre do Nascimento, onde se encontrava internado. O vice-governador provincial para o sector Político e Social, Manuel Gonçalves, apelara no domingo a todos os cidadãos, em particular os fãs de “Nagrelha”, para que mantivessem a serenidade.

Partidos políticos lamentam morte

O Secretariado do Bureau Político do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido governante em cujos comícios o artista participava com regularidade, deixou uma mensagem de condolências, elogiando a forma ímpar e inigualável de ser e estar de “Nagrelha”, que inspirou e mobilizou muitos artistas a aderirem ao estilo kuduro.

Para o MPLA, o músico notabilizou-se como um dos mais carismáticos integrantes do grupo musical Os Lambas, responsável pela introdução de um novo paradigma no kuduro, marcado por composições com apreciável rima e elevada capacidade criativa, que catapultaram o grupo ao patamar dos melhores no estilo em referência.

Também o grupo parlamentar da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), principal partido da oposição, endereçou votos de pesar à família, amigos, fãs e ao Ministério da Cultura, considerando “Nagrelha” um ícone da música popular, especialmente da juventude angolana. “Falar da morte de ‘Nagrelha’ é falar de uma dor que trespassa os corações de milhares de angolanos jovens e adultos amantes do kuduro”, referiu em comunicado.

“Carismático, criativo e excêntrico, filho do povo e um dos símbolos da juventude que não se resigna ante as dificuldades sociais e económicas, ‘Nagrelha’ deixa um grande reportório musical que o imortaliza e mantém presente na memória cultural de Angola”, salientou a UNITA.