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“Como um vulcão silencioso”, a morte de Mahsa Amini foi a faísca que acendeu a “revolução” no Irão

Em entrevista ao Expresso, dois ativistas iranianos que residem em Portugal explicam como a vaga de protestos é sobre mais do que a morte de uma jovem ou a obrigatoriedade do uso do hijab. Este sábado há uma manifestação em Lisboa

Imagem de Mahsa Amini colocada num poste durante manifestação nos EUA
BING GUAN

“Algumas pessoas pensam que estamos a lutar por causa da morte de uma rapariga. Não é por isso. Isso foi a razão, o início”. As palavras são de Babak, ativista iraniano a viver há cinco anos em Portugal.

A rapariga a quem se refere é Mahsa Amini. Com 22 anos, a jovem curda foi detida nas ruas de Teerão por estar a usar incorretamente o hijab (véu islâmico). Três dias depois, morreu no hospital. As autoridades iranianas alegam que sofreu uma “doença cardíaca súbita”, mas as TAC ao cérebro (divulgadas pelo jornal “Iranian Internacional) mostram sinais de fraturas na cabeça.

“Ninguém consegue prever como começa uma revolução”, escrevia esta semana na “The Atlantic a poetisa irano-americana Roya Hakakian. E é precisamente isso que parece ter acontecido no Irão.

“Não apenas eu, mas a maioria das pessoas estão a ver uma revolução a acontecer no Irão”, defende Yasmin, uma ativista iraniana também residente em Portugal há já nove anos. “Começou do luto pela morte de uma rapariga inocente, depois a resposta do regime foi reprimir (como sempre tem sido nos últimos 40 anos).”

“Por isso, a polícia disparou contra as pessoas para provar que não mataram a Mahsa Amini e as pessoas, fartas de todos estes anos de violência, explodiram. Como um vulcão silencioso. Os protestos rapidamente passaram de ser só contra o hijab e a morte de uma pessoa para a sua principal razão, que é o regime ditatorial da República Islâmica.”

“É uma combinação de tudo e aquela rapariga foi a razão. É sobre todos, não só as mulheres. É para todo o país tornar-se livre”, corrobora Babak.

Yasmin e Babak vivem atualmente em Portugal, mas nasceram e cresceram no Irão. Chegaram como estudantes e estão hoje integrados no mercado de trabalho.

De longe, acompanham as notícias que chegam de casa e dão o seu contributo para a causa. Yasmin mantém uma página no Twitter onde partilha informações sobre aquilo que se está a passar no Irão, ajudando a contornar o bloqueio que o regime impôs a algumas redes sociais e que deixou muitas contas ativistas inativas. Babak está ligado à organização de manifestações em Portugal. A primeira ocorreu há uma semana na Praça do Comércio, em Lisboa, e reuniu “cerca de 150 pessoas”. Para este sábado está agendada nova concentração, desta vez às 15h, no Rossio, também na capital portuguesa.

Falam ao Expresso porque acreditam na revolução e na necessidade de ajudar a espalhar a mensagem daqueles que arriscam a vida nos protestos que dia e noite têm estado nas ruas iranianas. Mas, mesmo longe, estão conscientes dos riscos do seu ativismo e é por isso que pedem para ser identificados por apenas um nome. “Neste momento ainda tentamos manter o anonimato. Pensamos que o regime vai colapsar em breve e que a revolução vai acontecer dentro de dias, mas, pela segurança da nossa família e amigos no Irão, preferimos permanecer anónimos”, explica Yasmin.

“Todos estes anos as pessoas iranianas sofreram” e o governo não pode dar a resposta que lhe é pedida

Vagas de protestos não são um fenómeno novo neste país. “A última revolução no Irão aconteceu quatro anos após a portuguesa, em 1978. Antes disso, tínhamos uma monarquia constitucional. A partir daí temos a República Islâmica do Irão e desde essa altura que as pessoas fazem diferentes tipos de protesto a cada dez anos”, relata Babak.