Um cidadão de Hong Kong de 24 anos tornou-se, esta terça-feira, a primeira pessoa a ser condenada à luz da nova Lei da Segurança Nacional, imposta por Pequim sobre o território para melhor controlar os protestos pró-democracia que durante mais de dois anos trouxeram milhares de pessoas à rua em protesto. Tong Ying-kit foi considerado culpado de terrorismo e incitação à secessão e pode ser condenado a pena de prisão perpétua.
Pequim aprovou a nova lei a 1 de julho, aniversário da transferência da soberania de Hong Kong do Reino Unido para a China, em 1997. É a forma de o regime comunista domar uma Hong Kong que insiste em manter-se insubmissa. O medo da prisão tirou as pessoas da rua, fechou o último jornal com voz própria no território (“Apple Daily”) e cada vez mais cidadãos estão a tentar sair de Hong Kong, nomeadamente para o Reino Unido, ex-potência colonial.
Em apenas um ano, os tribunais locais, conhecidos pela sua independência em relação à China, estão a ser obrigados a funcionar como garrotes à autonomia do território, agentes involuntários da submissão dos cidadãos à vontade do Partido Comunista Chinês (PCC). É uma forma de ir avisando os ativistas que o princípio “Um País, Dois Sistemas” está a esmorecer.
Por imposição da China, Hong Kong tem visto detidas dezenas de vozes críticas. Uma das operações de maior impacto aconteceu em janeiro passado e envolveu a prisão de 55 personalidades da oposição, entre ativistas, antigos deputados e académicos, acusados de ações subversivas contra o Estado. A 100ª detenção aconteceu em março seguinte: 83 homens e 17 mulheres, com idades entre os 16 e os 79 anos.
Uma mota com cartazes
Tong Ying-kit foi preso a 1 de julho de 2020, no dia exato em que a lei entrou em vigor, depois de um acidente com a sua mota ter deixado três pessoas feridas. Tong colidiu com um grupo de polícias enquanto conduzia por um bairro da cidade uma mota equipada com cartazes anti-Pequim. Os agentes tentaram pará-lo.
Pode ser condenado a prisão perpétua. A sentença será conhecida numa data ainda a designar pelo tribunal.
“A condenação de Tong Ying-kit é um momento significativo e sinistro para os direitos humanos em Hong Kong. O veredicto torna evidente um facto preocupante: expressar certas opiniões políticas na cidade é oficialmente crime, potencialmente punível com prisão perpétua”, disse, em comunicado enviado às redações, a diretora regional para a Ásia-Pacífico da Amnistia Internacional, Yamini Mishra.
“Condenar Tong Ying-kit por ‘secessão’ por exibir uma bandeira com um slogan político amplamente utilizado é uma violação do direito internacional, ao abrigo do qual a expressão não deve ser criminalizada, a menos que represente uma ameaça concreta. Parece que é o início do fim da liberdade de expressão em Hong Kong”, acrescentou.
O julgamento suscitou enorme atenção, toda a gente à procura de pistas sobre como irão os tribunais fazer cumprir a nova lei. Segundo a mesma, Tong não tem nem direito a fiança nem a ser julgado por um júri de pares. Em vez disso, foi julgado por um painel de três juízes, escolhidos pela chefe do governo de Hong Kong, Carrie Lam, equivalente a primeiro-ministro. Em Hong Kong, este cargo é escolhido por Pequim e não pela população.
Marginalizar a oposição
Como o Expresso escreveu no primeiro aniversário da lei, a “reforma da democracia” é também um dos objetivos da nova legislação. A 30 de março de 2021, o Governo de Xi Jinping promulgou uma reforma do sistema eleitoral de Hong Kong que visa marginalizar a oposição no território.
A composição do Conselho Legislativa (parlamento local) foi alargada de 70 para 90 membros, mas apenas 20 serão eleitos por sufrágio universal. Até então, metade dos 70 lugares eram escolhidos pelo povo; com esta alteração, apenas 22% do hemiciclo passa a ser eleito. Dos restantes lugares, 40 são escolhidos por um comité eleitoral de 1500 personalidades pró-Pequim e 30 são selecionados por grupos socioprofissionais, num complexo sistema que a China gere a seu favor.
Neste momento, 51 pessoas estão detidas à espera de julgamento por crimes relacionados com a nova lei e 68 já foram acusadas, segundo números da Amnistia Internacional. De 1 de julho de 2020 a 26 de julho de 2021, a polícia prendeu 138 pessoas por ações que só se tornam delitos depois da adoção da Lei de Segurança Nacional.