Internacional

Netanyahu começou a noite a cantar vitória mas a maioria pode ter-lhe escapado mais uma vez

Primeiro-ministro no poder há 12 anos resiste aos escândalos de corrupção e deve formar novo Governo à direita, que exigirá ainda assim intensa negociação. Êxito da vacinação e oposição dividida terão ajudado ao triunfo nas quartas legislativas em dois anos

O primeiro-ministro de Israel a votar nas eleições legislativas de 23 de março de 2021
RONEN ZVULUN/Reuters

Benjamin Netanyahu já é a pessoa que mais tempo chefiou o Executivo em Israel, e pode bem continuar. No cargo desde 2009, o líder do Likud (direita) terá vencido as eleições legislativas desta terça-feira, com 31 a 33 dos 120 deputados que formam o Parlamento (Knesset), segundo projeções de três estações televisivas.

Mesmo sem os resultados finais, Netanyahu já agredeceu, através de uma mensagem publicada no Twitter, o apoio dos israelitas à sua candidatura: “Obrigado cidadãos de Israel. Deram uma enorme vitória ao Likud e ao Likud que eu lidero. Hoje o partido é enorme, por uma margem também enorme em relação ao segundo classificado. É claro que a maioria dos cidadãos de Israel apoiam a direita e querem um governo forte, estável, de direita, que preserve a economia, a securança e o território de Israel. E é isso que faremos. Adoro-vos!"

Não se trata ainda de votos contados. Esses só devem surgir ao longo da semana, prevendo-se que saiam até sexta-feira.

Resta saber com quem poderá governar. As forças políticas conservadoras e religiosas ultraortodoxas devem somar maioria na próxima legislatura, mas constituir o Governo é sempre um via crucis de negociações de medidas e cargos. No Executivo cessante havia membros de oito forças partidárias.

Um deputado do Likud, David Bitan, reconheceu ao Channel 12 News que embora “não haja hipótese de formar qualquer Governo que não seja chefiado por Netanyahu, isso não será simples”.

O sistema muito proporcional (apesar da cláusula-barreira de 3,25%, abaixo da qual não se obtém representação parlamentar) e a fragmentação partidária (a estas legislativas concorreram 39 formações) têm trazido instabilidade. Os israelitas foram chamados às urnas duas vezes em 2019 (abril e setembro) e outra em 2020 (março).

Benny Gantz, líder do Partido Azul e Branco e ex-aliado de Netanyahu numa coligação que fracassou (e daí estarmos perante mais umas eleições legislativas em Israel) congratulou-se com o resultado previsto para o seu partido: 7 lugares. As sondagens apontavam para o seu desaparecimento do mapa político israelita, o que no país significa não ter os tais 3.25% necessários para entrar no Knesset. “Escolhemos lutar e vamos continuar a lutar pelos nossos valores e para fazer parte da liderança do país. A partir de amanhã vou fazer tudo para unir o bloco a favor de uma mudança”, disse o ex-general das Forças de Defesa de Israel aos seus apoiantes cerca de duas horas depois de conhecidas as primeiras projeções, indicando a intenção de chamar a si todos os partidos possíveis de forma a fazer frente ao atual primeiro-ministro.

Os progressistas do Meretz também já falaram e também se mostraram disponíveis para liderar uma “mudança ideológica”. Tal como os trabalhistas e o Azul e Branco, não era certo, até esta noite, se conseguiriam ultrapassar a percentagem necessária para entrar na configuração parlamentar mas, para já, parece que podem conseguir seis ou mesmo sete assentos, tal como os trabalhistas de Merav Michaeli, a feminista que foi uma das supresas da noite.

“Os israelitas entenderam que o Meretz é demasiado importante para desaparecer”, disse, na sede do partido, em Telavive, um dos deputados do partido, Tamar Zandberg, citado pelo jornal “Haaretz”. Yair Golan, número três do partido disse estar pronto para combater por uma “oposição ideológica, não apenas eleitoral” no país.

Para evitar nova convocatória nos próximos meses, os potenciais aliados do primeiro-ministro serão partidos judaicos ultraortodoxos como o Shas (8 a 9 deputados) e o Judaísmo da Torá Unido (6 a 7); forças de direita, como o Yamina (7 a 8) ou Sionismo Religioso (6 a 7).

Contudo, o líder do Yamina, Naftali Bennett (que já foi ministro num Executivo de Netanyahu), declarou-se aspirante a primeiro-ministro e promete vender caro o apoio ao atual ocupante do cargo. Na primeira reação aos putativos resultados, Bennet garantiu que fará “só o que for bom para o Estado de Israel”.

Quando já eram quase duas da manhã em Israel (meia-noite em Portugal Continental) uma nova projeção do Canal 13 veio revirar as contas a Netanyahu. O Likud baixou a projeção para 30 lugares, o Yamina perdeu um também, fixando-se nos sete. O Shas tem projetado nove lugares e o Azul e Branco sete. O que quer dizer que a amálgama de partidos anti-Netanyahu tem neste momento 61 lugares. O que quer dizer que, se tudo ficar assim e mesmo que o Yamina ofereça o seu apoio ao atual primeiro-ministro, o Likud ainda não consegue liderar uma maioria.

O porta-voz do Yamina, Moshe Basus, explicou que o partido irá conduzir uma “discussão séria” antes de decidir quem apoia. Bennett só excluiu contribuir para investir primeiro-ministro o líder do partido centrista Yesh Atid, Yair Lapid.

Abstenção cresceu

No bloco anti-Netanyahu, o maior partido é o centrista Yesh Atid (16 a 18), seguindo-se a Lista Conjunta árabe (8 a 9), o Azul e Branco (centrista e ex-aliado de Governo de Netanyahu, 7 a 8), o Partido Trabalhista (7), o Israel Beitenu (nacionalista secular, 6 a 8), o Meretz (esquerda, 6 a 7) e o Nova Esperança (cisão do Likud, 5 a 6). O partido árabe Ra’am, que saiu da Lista Conjunta, não deve conseguir o mínimo para eleger deputados.

Um dado relevante da noite eleitoral é a abstenção, que terá subido 5 a 10% desde a última ida às urnas, em março de 2020. A participação raras vezes terá sido tão baixa, em parte devido à pandemia, e possivelmente pela fadiga eleitoral dos israelitas.

Outros partidos reagiram de forma informal às projeções, informa o jornal “The Times of Israel”. A Lista Conjunta (que reúne quatro partidos árabes, alegrava-se por poder segurar até 9 assentos parlamentares, apesar de ter perdido um dos seus integrantes desde a última ida às urnas. “9-0! 9-0!”, cantavam ativistas na sede.

“Continuaremos a ser um espinho no flanco de Netanyahu e seus parceitos”, assegurava o dirigente Ayman Odeh. Outro responsável da Lista Conjunta, Sami Abou Shehadeh, avisava pouco depois que “a votação pode oscilar para um lado e para o outro nas próximas horas”.

Odeh teve palavras conciliadoras para o partido Ra’am, que saiu da Lista Conjunta e deverá ficar sem deputados: “Em todo o caso sois o nosso povo, somos uma nação”. O chefe do Ra’am, Mansour Abbas, afirmou ainda acreditar que passará o limiar. O canal de TV Channel 12 explicava que a baixa participação entre os israelitas árabes (só 44% foram votar) pode ter prejudicado estas forças.

No extremo oposto, o partido Sionismo Religioso (direita radical) regozijava-se com a previsível relevância no futuro Governo, após anos a concorrer integrado no Yamina. Com 7 lugares, fica acima do que as sondagens lhe atribuíam (4 ou 5). Na sede do partido os seus adeptos dançavam de alegria após as primeiras projeções e gritavam o nome do líder, Bezalel Smotrich.