O olho esquerdo inchado, com uma fratura na cavidade ocular, e quatro dentes partidos são as marcas visíveis da detenção de Gabriel Djordjevic, um adolescente de 14 anos a viver em Bondy, arredores de Paris, e originário da Sérvia. Depois de detido, Djordjevic passou mais de três horas numa sala de operações, a tentar salvar um olho que, ao que tudo indica, ficará com mazelas mas a permitir a visão.
As marcas da criança estarão, porém, além dessas. “Ele está completamente traumatizado e será visto por um psicólogo esta semana”, contou o advogado de Gabriel, Stéphane Gas. O rapaz fala em algemas, joelhos em cima do seu corpo e pontapés da cara. A polícia responde que as lesões de Gabriel se deveram a uma queda ocorrida durante a detenção.
Christophe Castaner, ministro do Interior francês (equivalente à Administração Interna em Portugal), define o caso como “preocupante” e pediu uma investigação interna à situação. “Não é normal que um rapaz de 14 anos, ou quem quer que seja, tenha lesões durante uma detenção. Há duas explicações: a do jovem rapaz e a dos agentes da polícia e elas são totalmente contraditórias. Não me cabe a mim decidir qual é a correta”, afirmou à BFMTV. Ainda assim, Castaner não deixou de considerar estranha a justificação dada pelas autoridades. “Eu não percebo a explicação que a polícia deu… o chefe [da polícia francesa] também não percebe.”
A do rapaz é dada pelo próprio em entrevista ao Loopsider, site de informação francês, a quem Gabriel admite ter sido detido em flagrante delito, enquanto, juntamente com um amigo, tentava roubar uma scooter. “Claro, foi estúpido, mas o que eles me fizeram…”, conta, explicando que tentou fugir porque “estava assustado”. “Eram quatro [agentes da polícia]. Um deles algemou-me e pôs os joelhos nas minhas costas. Uma mulher [agente] agarrou-me nos pés enquanto um policia de barba me dava pontapés na cara.”
Apesar da recuperação, Gabriel Djordjevic tem pela frente 30 dias de ITT (Incapacidade Total de Trabalho), que, de acordo com a lei francesa, é uma condição dada a quem esteja fisicamente incapaz de trabalhar ou exercer qualquer outra atividade.
“Justiça para Gabriel”, “Verdade por Adama” e outros gritos contra a violência policial em Paris
Gabriel é de origem sérvia, cigano, e o relato que dá dos acontecimentos vem juntar-se a uma série de outros que apontam para a brutalidade policial em França, especialmente dirigida a minorias. O advogado de Gabriel diz que nada sugere tratar-se de um ataque motivado por questões raciais mas que a violência da autoridade do Estado é inaceitável. A família da criança decidiu apresentar queixa por “violência organizada”, além de outra dirigida a quem investiga internamente o caso, que aconteceu na noite de 25 de maio.
A juntar-se a historia de Gabriel est´s a de Adama Traoré, 24 anos, francês, negro, morto depois de ter sido detido pela policia em 2016, num caso que agora voltou à ribalta pelas semelhanças com o de George Floyd e pela notícia de que a família recusou conversações com o Governo francês. O caso não está ainda legalmente fechado e “a família Traoré reitera que deseja um desenvolvimento legal e não um convite para conversas que não levam a nenhum resultado processual”, avança o movimento “La Vérité Pour Adama”.
Os gritos de “Verdade por Adama” e os de “Justiça para Gabriel” devem unir-se esta terça-feira, numa série de protestos marcados para Paris. As organizações convocaram uma manifestação “solene” para a Praça da República, na capital francesa, que “servirá para lembrar as pessoas" da "determinação em combater o racismo na polícia e em qualquer outro lugar”.