Internacional

Juiz do Constitucional alemão avisa que polémica com BCE pode pôr a UE em risco

Peter Huber, relator do acórdão que considera ilegal o programa de compra de dívida do Banco Central Europeu, considera que um procedimento de infração instaurado por Bruxelas geraria uma crise “muito difícil de resolver”

Peter Huber (à esquerda) ao lado do presidente do Tribunal Constitucional alemão, Andreas Vosskuhle, e de outros magistrados que o compõem
Ralph Orlowski/REUTERS

O juiz que redigiu o controverso acórdão do Tribunal Constitucional alemão contra o programa de compra de dívida do Banco Central Europeu (BCE) considera que um conflito entre a União Europeia (UE) e Berlim poderia pôr em perigo todo o projeto europeu. Peter Huber lançou este aviso numa entrevista ao jornal alemão “Frankfurter Allgemeine Zeitung”.

Na semana passada o Tribunal Constitucional alemão, com sede em Karlsruhe, decretou que a compra de dívida de estados-membros – lançada em 2015 pelo italiano Mario Draghi, então presidente do BCE – violou o quadro constitucional alemão. Embora rejeitasse a acusação, feita por 1750 alemães, de que o programa infringe a proibição de o BCE financiar estados-membros, o painel de juízes considerou que houve violação do princípio da proporcionalidade inscrito no Tratado da UE.

O acórdão alemão refuta uma decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJEU), que em 2018 declarou que o programa do BCE cumpria as regras. O Constitucional alemão achou isso “incompreensível” e deu três meses ao BCE, agora dirigido pela francesa Christine Lagarde, para levar a cabo uma “avaliação da proporcionalidade”. Caso contrário, afirmam os juízes, a Alemanha não deve participar mais no programa.

A Comissão Europeia não quis comentar a entrevista de Peter Huber, escreve o “Financial Times”, embora a sua presidente, a também alemã Ursula von der Leyen, tenha admitido abrir um procedimento de infração contra o seu país. O juiz afirma na entrevista que esse gesto “desencadearia uma escalada significativa, empurrando potencialmente a Alemanha e outros estados-membros para um conflito constitucional que seria muito difícil de resolver”

Terça-feira Huber explicara ao “Sueddeutsche Zeitung” que a decisão que subscreveu “pede ao BCE que assuma responsabilidade pública pelo seu programa de flexibilização quantitativa e que o explique àqueles que foram negativamente afetados pelo mesmo”. Um recado “homeopático” de quem “quer que o tribunal supremo da EU faça o seu trabalho melhor”, e que não justifica as críticas que suscitou. A seu ver a UE “não deve ver-se como ‘Dona do Universo’”.

O difícil equilíbro de Angela Merkel

“Uma instituição como o BCE, cuja legitimidade democrática é escassa, só é aceitável se cumprir estritamente as responsabilidades que lhe são atribuídas”, afirmou Huber. “O banco central tem de mostrar que não extravasou os seus poderes, dado que não tem o direito de tomar medidas apenas porque a Europa está em crise.”

A chanceler Angela Merkel tentou manter o equilíbrio, expressando ao mesmo tempo respeito pela decisão dos juízes do seu país e apoio a “uma moeda única forte”. A governante espera que o caso leve a maior união política na UE. “Terá de haver mais integração e não menos”, afirmou.

Huber reconheceu ter ficado “espantado” com as críticas ao acórdão alemão, “unilaterais e apaixonadas”. Lembrou que outros tribunais de estados-membros contestam a primazia do direito comunitário sobre a legislação nacional de cada um dos 27. A seu ver, “devem estar abertos à primazia da aplicação do direito europeu, mas também podem estipular limites”.

Bruxelas tem colidido com países como a Polónia e a Hungria, tendo já instaurado processos à primeira, em questões ligadas ao Estado de Direito. Segundo o “Financial Times”, um processo contra a Alemanha, apesar do risco político, poderia ser útil devido ao “diálogo que antecede qualquer audiência do Tribunal de Justiça Europeu”. O jornal escreve que o processo teria “várias fases, desencadeando discussões intensas entre a Comissão e o estado-membro, com o objetivo de restabelecer diálogo entre o tribunal de Karlsruhe e o Tribunal de Justiça Europeu”.

Antes da entrevista de Huber, o juiz-presidente do tribunal federal alemão, Peter Meier-Beck, criticou a decisão do Constitucional num blogue da Universidade Heinrich Heine, em Düsseldorf, onde ensina. A seu ver o acórdão de Karlsruhe é “um ataque à União Europeia enquanto comunidade legalmente constituída”. O eurodeputado alemão Sven Giegold, dos Verdes, defende que a UE deve mesmo abrir um procedimento de infração contra Berlim por causa daquela que classifica de decisão “perigosa”, que põe em risco o euro.