Anos e anos de estudo e leitura de manuais não permitiram aos médicos que trabalham naquele hospital na cidade chinesa de Wuhan perceber logo que doença era aquela que tinha feito sete pessoas com sintomas parecidos deslocar-se, num curto intervalo de tempo, ao serviço de urgência, mas, para não arriscar, esses pacientes foram colocados em quarentena. Mal soube disso, Li Wenliang, um dos médicos, avisou os seus colegas da faculdade e fê-lo num chat e de forma direta, sem preâmbulos. “Quarentena no serviço de urgência.” Um daqueles a quem se dirigia a mensagem respondeu comentando que a situação era “assustadora”, “isso é tão assustador”, foram estas as palavras que usou, e não conseguiu evitar perguntar: “Estará o SARS a voltar?”. Referia-se ao surto do vírus da Síndrome Respiratório Aguda Grave que matou quase 800 pessoas na China entre 2002 e 2003, sem saber que, dali a praticamente um mês, a doença que tinha deixado aquelas sete pessoas em quarentena teria infetado e matado mais pessoas do que o vírus cujo regresso tanto temia.
A verdade é que, horas depois de ter avisado os seus colegas, nesse dia de 30 de dezembro, Li Wenliang foi chamado a explicar perante as autoridades de Wuhan por que razão tinha partilhado aquela informação e, três dias depois, foi obrigado a assinar um documento em que admitia ter tido um “comportamento ilegal”. O médico chinês, que é oftalmologista, voltou depois ao trabalho e atendeu no seu gabinete uma mulher que viria a perceber-se mais tarde estar infetada com o novo vírus (designado, para efeitos científicos, 2019-nCoV) mas na altura isso não se sabia e o próprio Li Wenliang acabou por ficar também infetado. De acordo com o “New York Times”, que conta a sua história, o médico encontra-se neste momento internado. O que lhe aconteceu — não a parte da infeção, mas da repreensão — aconteceu também a outros médicos, médicos que foram chamados à atenção, ou mesmo investigados (foi o caso de pelo menos oito, segundo aquele jornal norte-americano), para não dizer silenciados por terem revelado mais do que era suposto e contrariado a versão oficial de que não havia surto algum de um vírus desconhecido, apenas uns quantos casos localizados e tratados de pneumonia. Um dia depois de o médico Li Wenliang ter divulgado a tal mensagem, as autoridades de saúde de Wuhan finalmente emitiram um comunicado a dizer que era possível “prevenir e controlar” e doença e que não havia razões para alarme.