O líder do Vox, Santiago Abascal, advertiu os seus apoiantes: “Não se regozijem com a euforia. Façam-no só esta noite”. Em pouco mais de meio ano, o partido de extrema-direita conseguiu mais um milhão de votos (3,6 milhões nas eleições deste domingo), subiu quase 5% e mais do que duplicou o número de deputados, passando de 24 para 52. Tornou-se a terceira força do Parlamento espanhol, um feito assinalável para um partido que em dezembro faz seis anos. E que há um ano não tinha um único eleito em qualquer instituição nacional ou regional.
Mas que partido é este? Para começo de conversa, importa dizer que o Vox surge da crítica no seio do Partido Popular (centro-direita) ao antigo primeiro-ministro Mariano Rajoy, que a ala mais nacionalista espanhola do partido considerava demasiado tíbio com os nacionalismos periféricos, sobretudo catalão e basco. Rajoy era, de facto, um homem muito diferente do antecessor José María Aznar, que o escolheu para delfim e depois se desiludiu.
Registado como partido político a 17 de dezembro de 2013, o Vox cavalga a crise económica global para reconquistar o voto da direita descontente com as políticas dos populares. No seu manifesto inaugural, apresentado no ano seguinte, defende a unidade da nação espanhola, a abolição das autonomias, o estabelecimento de um poder judicial independente e a promoção da cultura da vida e da família.
Em maio de 2014, o partido tem o seu primeiro teste eleitoral. Alejo Vidal-Quadras, dissidente do PP, é cabeça de lista ao Parlamento Europeu. O Vox ficou a cerca de 1500 votos de conseguir eleger o eurodeputado. Foi curta a carreira de Vidal-Quadras no Vox: após as eleições, abandona o partido. Segue-se uma crise interna, com a partida de outros militantes.
Abascal, o aglutinador
É em setembro de 2014, com a eleição de Abascal como presidente, que o Vox começa verdadeiramente a consolidar-se, mas ainda sem implantação eleitoral. No ano seguinte, porém, aglutina o partido Direita Navarra e Espanhola, que passa a designar-se Vox Navarra. Em março de 2015, nas eleições para o Parlamento da Andaluzia, volta a não conseguir representação. Em maio, acontece o mesmo nas autonómicas no resto do país. Por fim, nas municipais, o Vox apresenta-se em mais de 120 municípios e consegue eleger vereadores em 13 em todo o país.
Ainda estamos em 2015 quando, em junho, o partido realiza as suas primárias para escolher o candidato às legislativas. É Abascal quem vence, com mais de 80%, a consulta interna. No entanto, nas eleições legislativas, realizadas em dezembro daquele ano, o Vox volta a não conseguir representação, nem para o Congresso nem para o Senado.
O apoio interno a Abascal não cessa: em março de 2016, é reeleito por 98% dos militantes. Dois meses depois, o Vox tenta a implantação por via do ativismo menos ortodoxo. Vários militantes, incluindo o secretário-geral Javier Ortega Smith e o líder da secção madrilena do partido, Nacho Mínguez, desfraldaram uma bandeira espanhola em Gibraltar. Ortega conseguiu fugir a nado, Mínguez acabou detido.
Os irmãos europeus e a questão catalã
A via da europeização do Vox abre-se no início de 2017 numa cimeira da direita eurocética, onde Abascal contactou com líderes da extrema-direita como a francesa Marine Le Pen (da então ainda Frente Nacional, hoje Reagrupamento Nacional), Frauke Petry (da AfD, Alternativa para a Alemanha) ou o holandês Geert Wilders (Partido pela Liberdade).
Com a defesa da unidade de Espanha e a abolição das autonomias inscritas nos documentos fundadores, o Vox não poderia senão desempenhar um papel preponderante na questão catalã – nesse sentido, apresentou várias queixas-crime contra políticos independentistas. Quando a 1 de outubro de 2017 se realizou o referendo sobre a independência, em seguida ilegalizado, e, no final desse mês, se deu a proclamação unilateral da República da Catalunha, o partido avançou com uma acusação contra o Executivo e o Parlamento regionais.
O primeiro êxito eleitoral acontece nas eleições de dezembro de 2018 para o Parlamento da Andaluzia, tendo o Vox conquistado 12 assentos. A sua irrupção ajudou a formar uma tríplice aliança à direita (com o PP e o Cidadãos) que pôs fim a mais de 30 anos de poder socialista ininterrupto no governo daquela região.
Daquele Parlamento autonómico até ao Congresso espanhol foi um salto de cinco meses: a 28 de abril de 2019, a extrema-direita estreava-se na representação parlamentar nacional, com 24 deputados e uma votação superior a 10%.
E agora?
Na última noite, com as quartas legislativas em quatro anos e as segundas no mesmo ano, o Vox descolou. Em menos de um ano, projetou-se do Parlamento andaluz para o Congresso com força mais do que redobrada.
Antes ainda, em maio, o partido de Abascal somara votos nas eleições autonómicas e tornou-se indispensável para a direita governar nas regiões de Madrid e Múrcia; nas municipais, foi chave para vereações conservadoras na capital, mas também em cidades como Granada, Huesca, Teruel ou Burgos.
Os analistas atribuem grande parte desta ascensão ao esboroamento (e transferência de votos) do partido de centro-direita Cidadãos – que este domingo se estatelou, passando dos 57 assentos para apenas 10, e cujo líder, Albert Rivera, anunciou na manhã de segunda-feira que abandona a vida política e pública.
Mas o que virá a seguir para o Vox e, por maioria de razão, para a vida política espanhola? Para já, os ventos parecem-lhe correr de feição. Domingo foi o único a poder festejar sem sorrisos amarelos.