Internacional

Crise política e social no Líbano. “O Hezbollah é o joker nesta equação”

A demissão do primeiro-ministro na sequência dos protestos é ainda “uma vitória parcial”. Quem o diz é Heiko Wimmen, diretor regional do International Crisis Group, em declarações ao Expresso. “Terá de haver novas eleições em breve”, “o novo Governo precisará do apoio incondicional de todas as forças políticas para gerir a crise”, incluindo do Hezbollah, sublinha

No Líbano, o rastilho foi aceso pelos planos para taxar chamadas através do WhatsApp mas os protestos rapidamente evoluíram para contestar a corrupção e a desigualdade. Os manifestantes queixam-se dos efeitos da crise económica e apontam o dedo aos líderes do país, acusando-os de enriquecer através de esquemas fraudulentos e de negócios que lhes são favoráveis. Acossado, o Governo acabou por aprovar um pacote de reformas que inclui a redução dos salários dos políticos.
Anadolu Agency/Getty Images

Duas semanas após o início dos protestos no Líbano, o primeiro-ministro, Saad Hariri, anunciou esta terça-feira que iria apresentar a sua demissão, em resposta aos muitos libaneses que saíram para as ruas. As manifestações contra o aumento dos impostos – mas não só – levaram ao encerramento de bancos, escolas e universidades.

Entre os impostos a aumentar constava uma taxa por utilização do serviço de troca de mensagens WhatsApp. No entanto, milhares de libaneses saíram às ruas para protestar também contra o mau funcionamento do país e a corrupção governamental.

Veja aqui cinco perguntas e respostas para entender os protestos no Líbano, considerados “os maiores e mais diversos” desde a independência do país.

Para avaliar a situação política e social após o anúncio da demissão do primeiro-ministro, o Expresso falou com Heiko Wimmen, diretor para o Líbano do International Crisis Group, uma organização não-governamental que se dedica à prevenção de conflitos armados internacionais.

Como reage à demissão do primeiro-ministro libanês?

É uma vitória parcial. A exigência mais crucial é a formação de um Governo independente e a realização de novas eleições no médio prazo. Mas é certamente um enorme incentivo moral.

Quais são as consequências desta demissão?

O Governo é considerado demitido a partir do momento em que o primeiro-ministro apresenta a sua demissão. Se o Presidente Michel Aoun se recusasse a aceitá-la, isso abriria uma crise institucional. Não é claro se tal rejeição tem consequências legais, mas tendo a pensar que não. Tecnicamente, Hariri deverá agora tornar-se chefe de um Governo interino, o que carece de um decreto presidencial, que é a única coisa que Aoun se pode recusar a fazer. Uma crise institucional levaria a um impasse imediato e demolidor. O sistema é muito centralizado, pelo que não pode funcionar em piloto automático. Não consigo imaginar que Aoun faça isso, embora ele seja conhecido como alguém extremamente teimoso e parece não estar no seu melhor ultimamente – por isso, quem sabe? Chegou a hora do Parlamento. Os deputados serão recebidos pelo Presidente para declararem as suas preferências para um candidato a primeiro-ministro, que terá então de formar Governo. O Executivo terá provavelmente de ser composto por figuras públicas independentes e credíveis para convencer os manifestantes de que representa uma mudança efetiva. Terá de haver novas eleições em breve. Um novo partido abrangente de centro-esquerda deverá sair-se bem. Alguns dos partidos sectários identificados com a confusão atual serão castigados. O Hezbollah também deve sair-se bem.

E no plano financeiro?

Paira sobre a cabeça de todos o colapso iminente de todo o sector financeiro. O novo Governo precisará do apoio incondicional de todas as forças políticas para gerir a crise, em particular para aliviar os receios de um colapso financeiro. Os bancos estão fechados há 12 dias. Fontes credíveis dizem-me que já começou uma corrida silenciosa, com financiadores influentes a desembolsarem enormes quantias de dinheiro em práticas de nepotismo. Essa é a bola de fogo em que ninguém quer tocar.

O que se pode esperar do Hezbollah?

O Hezbollah é o joker nesta equação. Até agora, os seus militantes limitaram-se a enviar capangas para acabar com os protestos, agarrando-se àquela que é a sua posição política mais confortável de sempre no país. No início dos protestos, o secretário-geral do Hezbollah, Hassan Nasrallah, disse que eles também podiam ir para as ruas para exigir que as suas exigências fossem atendidas. Eles podem fazê-lo e a situação torna-se perigosa – só Deus sabe onde isso nos levaria. Ou podem aceitar que as peças estão a mover-se, apoiar um Governo de salvação nacional e pressionar também para a realização de novas eleições. Eles não têm verdadeiramente nada a temer dessas eleições.