Boris Johnson vai tentar esta segunda-feira, pela terceira vez, marcar eleições antecipadas a realizar ainda este ano. O primeiro-ministro do Reino Unido queria que fossem a 12 de dezembro, prevendo já ter nessa altura o acordo do Brexit aprovado, mas estará disposto a convocá-las para 9 do mesmo mês e deixar o acordo para mais tarde se for esse o preço para obter apoios junto da oposição para ir a votos.
Com a saída da União Europeia (UE) adiada uma vez mais – os 27 anunciaram segunda-feira que aceitam uma extensão do prazo para 31 de janeiro, antecipável caso o acordo passe antes −, Johnson estará aberto à proposta dos Liberais Democratas e do Partido Nacional Escocês (SNP, independentista) para viabilizar as legislativas.
O governante conservador proporá a sua data preferida esta segunda-feira, a partir das 15h30, na Câmara dos Comuns. Ao abrigo da Lei dos Mandatos Parlamentares Fixos, necessita dos votos de dois terços dos deputados (434 em 650) para encurtar uma legislatura que deveria ir até 2022. Como o Partido Conservador só tem 288 assentos, não chega àquele limiar sem o Partido Trabalhista. Haverá deputados dessa formação inclinados a aceitar a proposta, mas é improvável que sejam em número suficiente e a orientação de voto da direção deverá ser contra ou abstenção.
Uma diferença de três dias mas não só
A ideia de Johnson seria ir a votos dia 12 e tentar, até lá, fazer passar ao acordo do Brexit, que já foi aprovado na generalidade. Os deputados chumbaram, porém, o calendário proposto pelo primeiro-ministro, que queria condensar todas as fases do debate e votação em três dias. Agora sugere mais uma semana (ou seja, terminar a 6 de novembro).
Os liberais e os nacionalistas contrapropõem com eleições a 9 de dezembro, condicionadas ao adiamento da saída da UE até 31 de janeiro e impedindo a aprovação do acordo antes da ida às urnas. Esta proposta, por constituir uma exceção avulsa à Lei dos Mandatos Parlamentares Fixos e não uma moção ao abrigo da mesma (como a de Johnson), poderia ser aprovada por maioria simples (320 deputados, descontados a Mesa, que não vota, e o partido republicano irlandês Sinn Fein, cujos deputados nunca tomam posse para não jurar lealdade à coroa, sendo atualmente sete).
Faça-se uma ressalva: este tipo de proposta admite emendas. A oposição poderia alterá-la para dar o direito de voto a maiores de 16 ou mesmo a cidadãos da UE residentes no Reino Unido, por exemplo. Apesar desse risco, Johnson parece inclinado a conformar-se. “Vamos olhar para todas as opções para resolver o Brexit, incluindo ideias semelhantes às propostas por outros partidos da oposição”, disse fonte do gabinete de Johnson ao jornal “The Daily Telegraph”. Os unionistas norte-irlandeses, com dez deputados, estarão também a favor, pelo que a maioria simples estaria assegurada.
Liberais e SNP querem eleições antes da saída consumada, uma vez que assumem desejar travar o Brexit, através de novo referendo ou mesmo revogação, adotada no programa político liberal no último congresso do partido. Interessa ao SNP que as eleições não coincidam com o julgamento do seu ex-líder Alex Salmond (primeiro-ministro da Escócia entre 2007 e 2014) por abusos sexuais, previsto para janeiro.
Jeremy Corbyn entalado
As ambiguidades de Corbyn dão esperança às forças políticas do lado “remain”, onde se incluem ainda verdes, nacionalistas galeses e alguns independentes. “Corremos o risco de sermos ultrapassados se continuarmos a procrastinar”, disse uma fonte trabalhista ao diário “The Guardian”. Os conservadores já o acusaram de cobardia.
Corbyn afirma querer disputar eleições, mas só quando for afastado o risco de Brexit sem acordo, mas não concretiza uma data. Perante sondagens pouco simpáticas (os conservadores lideram por mais de 10%), o líder da oposição preferia eleições centradas não na questão europeia mas em assuntos domésticos, em que é mais fácil apontar o dedo aos conservadores, há nove anos no poder.
Johnson parte em vantagem para eleições, e não apenas pelo que dizem os estudos de opinião. Realizá-las cedo permite-lhe apresentar-se como garante do Brexit, se tiver conseguido a aprovação do acordo; ou, se os deputados da oposição o tiverem rejeitado, acusá-los de quererem violar a vontade popular expressa no referendo de 2016.
Se as legislativas acontecerem pouco depois da saída, antes de se sentirem quaisquer efeitos negativos de longo prazo, surgirá como o líder triunfante que conseguiu o que Theresa May falhou, tendo selado uma questão que se arrasta há três anos e meio, apesar de ainda ter de abordar o mais espinhoso assunto que é a futura relação com a UE. Desde o discurso da rainha (14 de outubro) em que elencou prioridades de investimento público em escolas, infraestruturas, hospitais e forças policiais, o primeiro-ministro entrou em pré-campanha.
Afastar o Brexit sem acordo
A líder dos liberais, Jo Swinson, está confiante. Ir a votos depois do Brexit seria pior para o seu partido, cujo maior viveiro de votos está nos que ainda creem ser possível ficar na UE. “Espero que, em consequência do que fizemos, o adiamento do Brexit seja concedido hoje, caso contrário mantemo-nos em sério risco de sair sem acordo na quinta-feira”, afirmou, referindo-se àquele que ainda é o prazo legal da saída, 31 de outubro.
Para o líder trabalhista, esse risco mantém-se mesmo em caso de adiamento até 31 de janeiro. Corbyn não confia no primeiro-ministro. “Ainda está na mente dele, ainda está na lei e ainda existe a ameaça” de um Brexit desordenado, afirmou num encontro sindical este fim de semana. A saída sem acordo “tem de ser completamente afastada para apoiarmos eleições”, exige.
Boris Johnson “podia vir ao Parlamento e assumir um compromisso categórico de que não sairemos sem acordo, mas não o faz porque sair sem acordo é o que querem os que o rodeiam”, acusou na BBC a ministra-sombra do Interior, Dianne Abbott, colaboradora próxima de Corbyn. Os trabalhistas pensam não só na saída em janeiro como no período de transição, que só termina em 31 de dezembro de 2020. Querem certeza de que, se até lá não for concluído um acordo comercial com a UE, não haverá saída abrupta.
Boris Johnson, o pragmático
Se a data de 12 de dezembro for rejeitada, como se espera, a proposta dos liberais e escoceses deve ser debatida entre terça e quarta-feira. Os conservadores, diz fonte de Downingf Street citada pela BBC, apresentarão, nesse caso, uma moção "muito semelhante" à dos liberais. “Ainda decorrem esforços para fazer passar o acordo de saída no Parlamento, mas se os deputados não estiverem dispostos a aprová-lo, a única saída alternativa é marcar eleições”, afirmou um membro do Governo ao diário “The Guardian”. “Os Liberais e o SNP mudaram de posição e nós estamos a responder a essa mudança.”
Johnson mostra-se, mais uma vez, um político pragmático. Não conseguindo o ideal, tenta o possível, como se viu no acordo de saída firmado há semanas com Bruxelas, em que aceitou a divergência regulatória entre Grã-Bretanha e Irlanda do Norte que sempre prometera rejeitar (e que lhe custou o apoio dos unionistas), ou mesmo no pedido de adiamento que jurara jamais apresentar (mas a que a lei o obrigou).
Ao mesmo tempo, o primeiro-ministro é um jogador. Falhar a maioria ou perder as eleições deitaria por terra os seus planos para o Brexit e vê-lo-ia deixar Downing Street após um dos mandatos mais curtos da história. As sondagens e a conhecida capacidade de Johnson em campanha debelam, para já, tais receios.