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Cinco perguntas para entender os protestos no Líbano, considerados “os maiores e mais diversos” desde a independência do país

Os protestos começaram depois de o Governo do país ter anunciado novos impostos mas à semelhança do que aconteceu no Chile não foi exatamente por isso que as ruas de Beirute, capital do Líbano, começaram a encher-se. Ali têm sido despejadas várias críticas e acusações, fala-se da corrupção, do nepotismo e da má governação, e fala-se das condições económicas, mas quase ninguém destoa nas reivindicações. Exige-se uma mudança de governo e de sistema político

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Como é que os protestos começaram?

Faz esta quinta-feira uma semana que começaram os protestos no Líbano. E começaram depois de o Governo do país ter anunciado novos impostos, incluindo uma taxa sobre as chamadas gratuitas em aplicações como o WhatsApp, de cerca de cinco euros. À semelhança do que aconteceu no Chile, onde o governo anunciou um aumento do preço do bilhete de metro em Santiago do Chile, capital do país, não foi exatamente por causa disso que as ruas de Beirute, a capital, começaram a encher-se. No caso do país da América Latina, foi a desigualdade — que foi explicada recorrendo a números como os que constam do relatório anual da Comissão Económica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) — e foram também os salários descritos como “miseráveis por oposição aos da elite política, as reformas “indignas” e a educação “de pouca qualidade”. No caso do Líbano, as críticas que mais vezes têm sido feitas referem-se à corrupção do país, à má governação e ao nepotismo. Nos primeiros protestos participaram apenas uns poucos (na sua maioria jovens do sexo masculino a quem foi atribuída a responsabilidade por alguns atos de vandalismo, como partir vidros de lojas e atear fogos no meio das ruas, segundo a imprensa internacional), mas no sábado a seguir juntaram-se mais pessoas com idades diversas e no domingo ainda mais, ao ponto de já terem sido considerados, entretanto, os maiores e mais diversos (não é em vão que a palavra é aqui usada, mas já lá vamos) protestos desde a independência do país, em 1943.

Porque é que os libaneses estão a protestar?

Não será certamente por causa das medidas anunciadas, uma vez que, e de novo à semelhança do que aconteceu no Chile, o Governo voltou atrás assim que percebeu os seus efeitos nas ruas. E nas ruas têm sido despejadas várias críticas e acusações, fala-se da corrupção e das condições económicas, mas quase ninguém destoa nas reivindicações, que passam por uma mudança de governo e de sistema político.

Heiko Wimmen, investigador do International Crisis Group, e que vive no Líbano, resumiu bem a situação num artigo publicado recentemente em que afirma que os “libaneses sofrem há anos das debilidades dos serviços públicos e da negligência do Estado, visíveis sobretudo no fornecimento de eletricidade”, ou na falta dele neste caso, “na poluição massiva” e nas falhas crónicas no serviço de recolha de lixo, estando tudo isso “aparentemente relacionado com a lógica e esquemas de clientelismo” que não só influenciam como definem o funcionamento do Estado. A polarização política, num país em que o Presidente tem de ser cristão maronita, o primeiro-ministro sunita e o presidente do parlamento xiita (assim dita o pacto nacional assinado em 1943), também “tem paralisado as instituições governamentais”.

Heiko Wimmen aponta ainda outras razões para explicar aquilo a que se refere como “a revolta do Líbano” — são elas o custo de vida, que tem disparado, a estagnação dos salários e o aumento da taxa de desemprego, que têm levado “os mais jovens e educados a emigrar”. Mais do que a nova taxa, o que irritou os libaneses e instigou os protestos foi a falta de resposta do Governo aos fogos florestais que deflagraram no país há umas semanas e que se descontrolaram devido à falta de recursos materiais ou ineficácia dos que estavam disponíveis. “Mais uma vez, ficou claro o fracasso das instituições do país”, diz o investigador no mesmo artigo. Em termos económicos, os sinais estão aí para quem os quiser ver, e não auguram nada de bom: o Líbano tem uma das maiores dívidas públicas do mundo, equivalente a 150% do PIB, e os economistas têm alertado para o risco de colapso económico.

Estes protestos têm sido considerados diferentes dos anteriores. Mas porquê?

A grande diferença tem que ver precisamente com a grande diversidade dos protestos. Neles têm participado pessoas dos diferentes grupos religiosos (e são muitos, são 18, pelo menos segundo a contabilização e reconhecimento oficiais) que compõem a sociedade libanesa e que, devido à organização política do país, estão continuamente envolvidos em lutas e conflitos sectários pelo poder. Desta vez decidiram, no entanto, unir-se e suspender essas várias lutas cruzadas, e isso nunca tinha acontecido. Não aconteceu em 2005, quando milhares saíram às ruas para exigir a retirada das tropas sírias que estavam no país há quase 30 anos, e não aconteceu de todas as vezes em que líderes políticos de comunidades específicas desafiaram os seus respetivos seguidores a ocupar as ruas. “Não há vestígios de sectarismo nos atuais protestos. De facto, aquilo a que se tem assistido é a muita solidariedade entre grupos e comunidades que supostamente estão em lados opostos quando se olha para as divisões políticas e sectárias do país”, observa também Heiko Wimmen, no artigo citado. As declarações de uma das participantes nos protestos ao “New York Times” são exemplo disso. Quando questionada pelo jornal norte-americano sobre as suas filiações, respondeu: “Nós não acreditamos nisso. Somos todos libaneses. Nas ruas, não somos xiitas ou sunitas ou cristãos. Somos cidadãos”.

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Como é que o Governo reagiu aos protestos?

Na segunda-feira, o primeiro-ministro libanês, Saad Hariri, anunciou um pacote de reformas que incluem a redução para metade do salário dos políticos, proteção para as famílias mais pobres, criação de um organismo de combate à corrupção e melhorias nas infraestruturas de abastecimento de eletricidade. Também se comprometeu a criar um mecanismo para recuperar dinheiros públicos que tenham sido desviados. “Foram os vossos protestos que me levaram a anunciar estas medidas”, afirmou Hariri. Entretanto, e perante o tumulto nas ruas, o Presidente Michel Aoun deixou uma mensagem ao país, a quem avisou que a alteração de regime exigida “deve levar-se a cabo através das instituições constitucionais e não na rua”, porque “sem diálogo nada pode ser resolvido”.

O que acontece a seguir? Mais protestos ou reconciliação?

O anúncio do novo pacote de medidas chegou também com um ultimato. Saad Hariri deu 72 horas aos membros da coligação governamental para chegarem a um consenso e aprovar as reformas económicas propostas. Reuniu-se logo de seguida com as várias forças políticas e conseguiu o apoio que pretendia, tendo esta reforma sido aprovada formalmente na segunda-feira durante um conselho de ministros que contou com a participação de Michel Aoun. Insatisfeitos parecem continuar estar, no entanto, os libaneses, que ainda esta quinta-feira protestaram de novo nas ruas da capital. E com razão, segundo Heiko Wimmen, para quem “as medidas adotadas até podem ajudar a solidificar a situação fiscal do país, mas parecem inadequadas para responder aos desafios colocados pelos protestos”. “As declarações de Hariri têm sido recebidas com rejeição nas ruas, onde impera a vontade esmagadora de querer expulsar toda a elite política”.

Heiko Wimmen dá ainda conta dos inúmeros manifestos que estão a circular e que exigem a renúncia imediata do governo, de modo a que o seu lugar possa ser ocupado “por outro, independente dos partidos políticos, que possa vir a ser capaz de resolver a crise económica e, eventualmente, preparar novas eleições”. O investigador antecipa, no entanto, que, se os protestos continuarem com a frequência e a dimensão com que têm acontecido até agora, o país “irá atravessar um longo período de instabilidade”. “Não há, efetivamente, uma liderança política alternativa ou uma oposição real aos partidos no poder.” E qualquer tentativa, por parte do Governo, de restaurar a ordem, avisa, “poderá levar a um novo pico de violência”.