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“Vamos tentar que haja eleições antes do Natal”. BBC diz que Governo britânico ameaça não levar acordo a votos

O Governo britânico ameaça não levar o acordo ao parlamento se os deputados alterarem o calendário para discutir a legislação necessária para aplicar o documento que regula a saída da UE

Victoria Jones - PA Images

O Governo britânico parece estar a tentar encostar os deputados “às redes”. Uma fonte de Downing Street disse à BBC, ao início da tarde desta terça-feira, que “se o Parlamento votar contra o calendário acordado para a votação da legislação que vai levar à prática o Brexit, e a UE propuser um adiamento para lá de dia 31, então o Governo não vai levar o acordo a votos”.

A linguagem utilizada pela fonte, que falou com a editora de política da BBC, não parece deixar margem para manobra: “Não teremos mais assuntos a tratar no Parlamento e iremos tentar que haja eleições antes do Natal, se necessário através de uma auto-moção de censura”. Isto é, o Executivo proporia a sua própria destituição caso os deputados não apoiassem a ideia de antecipar a ida às urnas, que em condições normais (o contrário das que imperam no Reino Unido) aconteceria em 2022.

O problema para Boris Johnson é que carece de maioria e os deputados que se opõem ao Brexit e/ou ao Brexit sem acordo não devem dar-lhe votos para poder marcar eleições. Uma lei de 2011 estipula a duração da legislatura em cinco anos e faz depender qualquer antecipação dos votos de dois terços da Câmara dos Comuns. Daí a ideia alternativa de o Partido Conservador apresentar moção de censura contra o seu próprio Governo.

A própria Laura Kuenssberg, da BBC, que teve acesso à informação, diz não estar certa de que esta ameaça sirva de alguma coisa. “Disseram-me que as discussões de hoje entre os deputados conservadores foram bastante violentas, porque uns querem aceitar a potencial imposição de um calendário mais lento para a discussão da legislação, mas essencialmente o Governo decidiu entrar em greve se a legislação não for aceite esta noite no Parlamento”.

“Não vamos desperdiçar meses e meses com este Parlamento, que vai tentar utilizar o ano 2020 para referendos ao Brexit e na Escócia”, disse a mesma fonte. O debate estende-se ao longo da tarde e não deve haver votação antes das 19h de terça-feira.

Vicky Young, também da equipa de política da BBC, considera que “o Governo está mesmo a subir a parada ao dizer que abandonará o acordo se os deputados não concordarem com o calendário de três dias para a discussão e aprovação da legislação que tornará o Brexit uma realidade na lei britânica”.

O pacote legislativo foi apresentado segunda-feira, pelo que muitos parlamentares se queixam de falta de tempo para analisá-lo e, tendo Johnson pedido um adiamento (a contragosto e forçado pelo Parlamento), que a UE se dispõe a conceder, preferiam um ritmo mais vagaroso no debate e votação destas leis. Young interroga-se se haverá margem de manobra para o Governo tolerar uma adiamento meramente técnico, de até um mês, se for proposto pelos 27.

“Há alguém em Downing Street a pressionar seriamente os deputados”, escreve a jornalista. A seu ver, uma eleição é “uma ameaça real aos independentes, porque é bastante difícil ser eleito como independente. Acontece mas é muito raro”, acrescenta, referindo-se às dezenas de deputados que abandonaram ou foram excluídos da bancada do Partido Conservador e aos que saíram desta formação e do Partido Trabalhista para formar novos agrupamentos pró-UE.

Quatro cenários para uma noite

Gordon Rayner, editor de política do jornal “The Daily Telegraph”, próximo de Johnson e apoiante do Brexit, traça quatro cenários para a votação desta terça-feira.

Se os deputados aprovarem a proposta de lei do acordo de saída e a respetiva calendarização, o Governo granjeia uma vitória e consegue retirar o país da UE a 31 de outubro, a não ser que seja aprovada alguma emenda proposta pela oposição (por exemplo, no sentido de manter uma união alfandegária com a UE ou sujeitar o acordo final a referendo).

Se a proposta de lei passar mas a calendarização for chumbada, Johnson recusa-se a submeter a legislação do Brexit a votação, argumentando que isso implicaria um adiamento que não está disposto a contemplar. É uma aposta arriscada, porque o Governo não pode, por si só, convocar eleições, pelo que poderia ficar meses no limbo até a oposição sentir confiança num momento propício para ir a votos.

A não ser (terceiro cenário) que o primeiro-ministro aceite o adiamento técnico acima referido (que poderia ter um prazo curto ou ser flexível, isto é, revogável assim que o acordo e a legislação que o regulamenta fossem adotados pelo Parlamento). O Reino Unido sairia em breve da UE, embora não a 31 de outubro.

Por fim, em caso de rejeição do acordo (que hoje parece improvável), o primeiro-ministro insistiria em que só nas urnas se poderia resolver o impasse. Um desfecho que dependeria, como explicado acima, da decisão dos partidos da oposição.