Aos 12 anos, chegou a Hong Kong, vindo da China continental, para não morrer à fome. Atualmente, é o único multimilionário que parece disposto a arriscar a fortuna e a própria vida para enfrentar Pequim. Chama-se Jimmy Lai e, em meados da década de 1990, fundou o tabloide “Apple Daily”, que se tornou, nos últimos tempos, o jornal dos manifestantes pró-democracia naquela região administrativa especial chinesa.
“Hong Kong era uma terra de oportunidades”, conta Lai à CNN. Depois de os comunistas assumirem o poder na China, em 1949, a população da então colónia britânica aumentava em mil habitantes todos os dias, pessoas que, como ele, vinham da China continental. Na sua maioria, eram sobreviventes “ousados e empreendedores” e assumiam riscos, recorda.
A Grande Fome Chinesa, que decorreu entre 1958 e 1961, fê-lo passar clandestinamente da província sul de Guangdong (Cantão) para Hong Kong no fundo de um barco de pesca. Tornou-se moço de recados numa fábrica têxtil, ganhando o equivalente a cerca de 6 euros mensais e vivendo num apartamento com mais 10 pessoas no bairro de lata de Sham Shui Po, ainda hoje uma das zonas mais pobres de Hong Kong.
O nome da sua primeira fortuna vinha escrito num guardanapo
Em duas décadas, aprendeu inglês, subiu à posição de vendedor e decidiu abrir o seu próprio negócio. Numa viagem a Nova Iorque, depois de comprar uma pizza, viu num guardanapo a inscrição “Giordano”. Ingenuamente, pensou que se desse esse nome à sua empresa, os potenciais clientes iriam pensar tratar-se de uma marca italiana, relata. E resultou: foi com a Giordano que fez a sua primeira fortuna. No início dos anos 1990, a cadeia de roupa masculina tinha 191 pontos de venda, produzia 9 milhões de peças de vestuário por ano e tinha uma faturação equivalente a 190 milhões de euros.
Entretanto, a 4 de junho de 1989, a Praça de Tiananmen, no centro de Pequim, era ocupada por tanques que dispersavam manifestantes pró-democracia. As estimativas do número de mortos variam entre as várias centenas e os milhares. Na altura, Lai não tinha grandes convicções políticas, confessa à estação norte-americana. “Mas sempre senti um forte desejo de liberdade por causa da minha experiência na China”, sublinha.
Acompanhando a repressão de Tiananmen a partir de Hong Kong, decidiu que a Giordano iria começar a produzir t-shirts com slogans de apoio aos estudantes que se manifestavam. Foi por essa altura que se divorciou da sua primeira mulher, um episódio que descreve como “algo chocante”. Pouco tempo depois, era entrevistado pela jornalista local Theresa Lai e os dois acabaram por se apaixonar e por casar. A seguir, tornou-se um barão da comunicação social.
Uma maçã vermelha sobre a cabeça e flechas disparadas
Um dos anúncios que apresentaram o “Apple Daily” ao mundo não podia ser mais direto: sentado num armazém escuro com uma maçã vermelha sobre a cabeça, Lai era atingido por flechas disparadas por uma figura sombria. Desde então, recebeu várias ameaças de morte e tornou-se um símbolo das tensões da região administrativa com Pequim.
Quando o Reino Unido devolveu Hong Kong à China em 1997, a cidade recebeu a garantia de um sistema judicial próprio e de certas liberdades, não gozadas na China continental, até 2047, o ano em que deverá regressar na sua totalidade ao controlo de Pequim. No entanto, nos últimos três meses, Hong Kong tem sido inundada de manifestantes em protesto contra a alegada ingerência do poder central.
Tudo começou com uma proposta, já abandonada mas não retirada completamente, que prevê a extradição de suspeitos de crimes para jurisdições, designadamente a China continental, onde os críticos alegam não haver garantias de um julgamento justo. Foi este o acender do rastilho mas os manifestantes rapidamente alargaram as suas exigências, protestando por mais democracia.
Combatente da liberdade VS mão (in)visível dos EUA
Com 70 anos, Lai é visto frequentemente nas marchas, sob chuva intensa ou um calor escaldante. O seu “Apple Daily” exorta os cidadãos a aderirem aos protestos, oferece cartazes para os manifestantes usarem e aponta regularmente o dedo à chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam.
Para os seus apoiantes, é um audaz combatente pela liberdade. Para os seus detratores, não passa de uma mão, mais ou menos invisível, dos EUA para lançar o caos.
Nos últimos anos, bombas de fogo foram lançadas ao portão da sua casa, um obituário, impresso numa publicação concorrente, garantia que havia morrido com sida e os seus donativos políticos foram escrutinados num caso de combate à corrupção. Lai negou quaisquer irregularidades e o caso contra ele acabou por ser abandonado.