A Monsanto, uma empresa multinacional que fabrica produtos químicos (e foi comprada pela Bayer, a farmacêutica alemã, em 2018) criou um centro de informações para espiar jornalistas e ativistas que denunciavam os efeitos perigosos dos seus produtos, entre eles uma jornalista da agência Reuters e o cantor Neil Young.
Os documentos internos foram obtidos no contexto de processos judiciais que envolvem um herbicida chamado Roundup, o qual contém glifosato, uma substância que a Organização Mundial da Saúde considerou possivelmente cancerígena em 2015. A empresa nega que o seja, mas o ano passado dois júris nos Estados Unidos condenaram a empresa a pagar indemnizações elevadas a queixosos que tinham desenvolvido linfomas, alegadamente em consequência do produto.
Em 2017, a jornalista Carey Gillam publicou um livro sobre os perigos do herbicida. Para combater as más notícias sobre o produto, a Monsanto terá criado um "fusion center" (centro de fusão), com o objetivo de desenvolver contrapropaganda. Uma das vinte ações que decidiu promover foi levar pessoas a porem críticas negativas ao livro, na internet, muitas delas repetindo pontos semelhantes - sem que a intervenção da empresa fosse revelada.
Falando ao diário britânico "The Guardian", Gilliam recordou que, enquanto os críticos profissionais elogiavam o livro, na Amazon ele era desancado continuamente e de forma horrível. Só o facto de calcular que era obra da empresa lhe deu alguma tranquilidade, embora sabendo que outras pessoas não estavam tão conscientes como ela.
Diz que as revelações são mais uma amostra de como a empresa tenta manipular subrrepticiamente a opinião pública. "Sempre soube que a Monsanto não gostava do meu trabalho e tentava pressionar os editores para me silenciarem", diz. "Mas nunca imaginei que uma empresa multibilionária gastasse realmente tanto tempo e energia e pessoal comigo. É espantoso."
A Monsanto pagou ainda para que, quando alguém fizesse buscas na internet com o seu nome e o da jornalista, os resultados obtidos destacassem críticas negativas ao livro. E também outras pessoas receberam atenção da empresa, por exemplo, o cantor Neil Young, autor de um álbum intitulado The Monsanto Years. Entre outras coisas, foram examinadas as letras do álbum, a fim de identificar pelo menos 20 tópicos a contestar, eventualmente em tribunal.
A US Right to Know, uma ONG que utiliza a lei para conseguir acesso a documentos de interesse público, foi igualmente alvo do centro, cuja função oficial era recolher e analisar informação sobre "atividades criminosas, ativistas/extremistas, geopolíticas e terroristas que afetem as operações da companhia em 160 países", respondendo em "tempo real" a ameaças de tipo físico, cibernético ou operacional, como escreveu alguém que trabalhava lá.
As ações em questão terão acontecido entre 2015 e 2017, e a Bayer sugeriu agora que nada tinham de anormal. Um porta-voz da empresa disse que o objetivo era apenas promover um diálogo justo e combater a desinformação, incluindo a contida no livro de Gillam. A jornalista trabalhou na Reuters durante 17 anos, e a agência diz que continua a apoiar os trabalhos que ela publicou lá sobre o assunto.