Internacional

Repetição do voto nas eleições de Istambul pode dar segunda bofetada ao Presidente

As eleições locais da maior metrópole turca resultaram numa derrota para o partido presidencial em março passado. A Comissão Eleitoral decretou que se repetisse este domingo um voto que bem pode voltar a provar que o poder de Recep Tayyp Erdogan pode ser desafiado

Apoiantes do partido do Presidente Erdogan antes da repetição das eleições locais em Istambul
MURAD SEZER / Reuters

Nove milhões de eleitores vão este domingo às urnas em Istambul para confirmar quem será o próximo presidente da câmara da maior metrópole da Turquia. O candidato da oposição, o energético Ekrem Imamoglu, que concorre numa coligação entre o seu Partido Popular Republicano (CHP, esquerda laica, kemalista), e o Partido Novo (Iyi, nacionalista), continua à frente nas sondagens sobre o candidato do partido do Governo (AKP, Justiça e Desenvolvimento, islamita moderado), o ex-primeiro-ministro Binali Yildirim.

A confirmar-se, esta seria uma segunda bofetada – porventura mais dolorosa, do eleitorado turco a Erdogan, que perdeu no fim de março a maior parte das grandes cidades turcas para a oposição, incluindo a capital Ancara e Istambul, num escrutínio que muitos sugerem marcar o fim do domínio quase absoluto do superpresidente.

Há dois meses o eleitorado urbano, e mais moderno, bateu o pé a Erdogan, cansado da autocracia e nepotismos crescentes, num cenário de uma grave crise económica. Tudo indica que o mesmo acontecerá neste próximo domingo.

No passado dia 31 de março o candidato da oposição tinha ganho por uma margem mínima – 27.000 votos num universo de oito milhões, mais tarde reduzida a 13.000 depois de recontagens parciais pedidas pelo AKP. Ainda assim, Imamoglu tomou posse, mas 18 dias depois o Comité Nacional de Eleições (YSK) – um órgão na dependência direta da presidência da república, anulou o escrutínio porque os presidentes de 225 das 30 mil assembleias de voto na cidade não estavam habilitados para tal, com a imprensa pró-governamental a sugerir um complot de larga escala para viciar o resultado das eleições.

Estranhamente, o YSK só anulou a eleição para a câmara metropolitana, e não a das câmaras municipais, respetivas assembleias e juntas de freguesia, feitas nas mesmas condições, estas globalmente ganhas pelo AKP.

Perder Istambul para a oposição

A perda de Istambul, onde Erdogan começou a sua fulgurante carreira política há 25 anos, ganhando precisamente o posto que vai agora a votos, foi um duro revés para o homem-forte da Turquia, que nunca aceitou os resultados, e forçou a repetição de eleições. O orçamento da metrópole ascende a €7 mil milhões e tem sido utilizado para manter o sistema de patronato em que assenta o reinado do Presidente. A “joia” é demasiado valiosa.

“Ao recusar a aceitar o resultado de Istambul, o Governo sofreu uma enorme perda de legitimidade”, escreveu Kadri Gursel, um respeitado jornalista independente, ecoando um sentimento generalizado na metade do país que não se revê nas políticas de Erdogan.

Chegou-se a temer o pior, já que a revolta era palpável, mas Imamoglu foi lesto em mobilizar essa raiva para uma nova campanha eleitoral, apelando à calma. Mantendo o tom inclusivo e tolerante, quebrando o manto elitista que estrangulou o CHP no passado, e utilizando uma linguagem cativante para as massas mais conservadores que constituem o eleitorado do AKP, o até então desconhecido candidato da oposição continuou a ganhar tração política e notoriedade.

A campanha do AKP, ao contrário, foi negativa e polarizadora. Imamoglu foi acusado de quase tudo – gulenista (a confraria que tentou derrubar Erdogan no falhado golpe de estado em 2016); apoiante do grupo terrorista separatista PKK – os curdos votaram em massa contra o AKP; cripto-grego por ser originário de uma zona do Mar Negro onde ancestralmente existia uma população grego. Ou mesmo apoiante do ditador Egípcio, inimigo figadal de Erdogan: “No Domingo, vamos dizer Sisi ou Yildirim?”, perguntou esta semana o Presidente.

Um debate televisivo ao fim de 17 anos

Pelo menos a repetição da campanha trouxe uma novidade – um debate televisivo entre os dois candidatos, o primeiro em 17 anos, já que Erdogan sempre os recusou. A conversa acabou por ser morna, Yildirim teve uma fraca prestação e Imamoglu manteve a sua vantagem (2 a 4 pontos nas últimas sondagens).

“Deverá vencer e com uma margem maior, desde que não haja nenhuma perturbação de última hora ou uma manipulação das urnas. A anulação das eleições sem qualquer justificação legítima criou um sentimento de injustiça”, confirmou Kadri Gursel.

O que acontecerá se Imamoglu ganhar, como parece ser mais provável, e confirmar o que será talvez o maior erro estratégico de Erdogan na sua longa carreira?

O Presidente já sugeriu que talvez não seja automático que ele consiga alguma vez ser presidente da câmara de Istambul devido a um processo legal de “injúrias contra o Estado” interposto por um Governador provincial, a quem Imamoglu alegadamente ofendeu: “Aquela pessoa não merece o cargo se não pedir desculpas ao Governador. Caso contrário não poderá assumi-lo”, disse o Presidente esta semana. Mas isso significaria o fim das pretensões democráticas de um homem que está cada vez mais isolado no luxuoso palácio presidencial em Ancara. Com consequências desastrosas para a Turquia.