Internacional

Egípcios votam em referendo sobre emendas à Constituição com “sentimento de inevitabilidade”

A consulta popular às alterações aprovadas no Parlamento começa esta sexta-feira. “As emendas destinam-se a consolidar o autoritarismo”, comenta ao Expresso um investigador de um instituto do Cairo. Os poderes presidenciais saem reforçados e os poderes judicial e legislativo enfraquecidos. “O resultado oficial será uma maioria esmagadora de apoio”

MOHAMED EL-SHAHED/AFP/Getty Images

Os egípcios na diáspora começam a votar esta sexta-feira num referendo sobre as emendas à Constituição que foram aprovadas pelo Parlamento e que poderão manter o Presidente Abdel Fattah al-Sisi no poder até 2030. Para os eleitores que vivem no Egito, a votação começa no sábado. Em ambos os casos, o processo decorre durante três dias.

Ao abrigo das mudanças aprovadas, o mandato atual (segundo e último) de Sisi seria alargado de quatro para seis anos, terminando em 2024, sendo depois possível ao Presidente candidatar-se a um terceiro mandato. Segundo os críticos, as emendas reforçam o papel dos militares na vida política e aumentam o poder do Presidente sobre o judiciário.

Entre as alterações conta-se ainda a criação de uma segunda câmara parlamentar, um Senado com pelo menos 180 membros, um terço dos quais com nomeação presidencial, o que “dilui o poder dos deputados eleitos”, aponta Timothy Kaldas, investigador não residente do Instituto de Tahrir para a Política do Médio Oriente, no Cairo. O chefe de Estado assumiria também novos poderes para a nomeação de juízes e do Procurador-Geral da República.

“O Egito não é uma democracia desde 2013”

“Outra emenda consagra o papel político dos militares na Constituição, ironicamente com a função de proteger a natureza civil do Estado”, prossegue o investigador. “As emendas destinam-se a consolidar o autoritarismo no Egito, enquanto enfraquecem os ramos dos poderes judicial e legislativo”, refere ao Expresso.

Nada que surpreenda Timothy Kaldas: “Realisticamente, o Egito não é uma democracia desde o golpe de 2013 [liderado por Sisi e que levou à queda do então Presidente Mohamed Morsi]. As eleições que conduziram Sisi ao poder foram grotescas. Na reeleição do ano passado, vários candidatos foram presos, enquanto outros foram perseguidos até desistirem das respetivas candidaturas. Quando todos foram afastados, juntaram um candidato pró-Sisi à última hora só para que houvesse mais alguém no boletim de voto”, recorda.

Como estão os egípcios a reagir?

“Em grande medida, não estão a reagir. Muitos já esperavam que Sisi não tinha uma verdadeira intenção de deixar o poder. O Egito tem sido liderado por uma série de militares que se tornaram presidentes, nenhum dos quais cedeu o poder voluntariamente”, comenta o investigador. Desta vez, há uma agravante: “As emendas são artigos antidemocráticos que sobreviverão a Sisi e isso é lamentável”, critica.

Quanto ao referendo dos próximos dias, Timothy Kaldas prevê uma participação “bastante baixa, dado o sentimento de inevitabilidade que rodeia todo o processo”. “Além disso, o facto de a votação sobre as emendas começar 72 horas [três dias] depois de o Parlamento as ter aprovado visa claramente impedir qualquer discussão pública ou debate sobre elas. O Governo não tem qualquer interesse na opinião das pessoas sobre estas emendas. O resultado oficial será uma maioria esmagadora de apoio às emendas. Toda a gente sabe disso”, garante.

Sites bloqueados em “momento crucial para a Constituição”

Na segunda-feira, véspera da votação parlamentar das emendas, o Movimento Civil Democrático, uma coligação de partidos da oposição, apelou ao Parlamento para que rejeitasse as emendas e aos egípcios para que votassem contra as alterações no referendo.

No mesmo dia, o grupo de monitorização da internet NetBlocks revelou que as autoridades egípcias tinham bloqueado o acesso a 34 mil domínios online numa aparente tentativa de eliminar uma campanha que se opõe às emendas propostas. “A restrição no acesso a sites da oposição num momento crucial para a Constituição do Egito é um motivo de preocupação. Numa democracia, aceita-se que haja perspetivas diferentes de franjas distintas da sociedade”, comenta o grupo ao Expresso.