O Parlamento britânico decidiu esta quarta-feira rejeitar um cenário de Brexit sem acordo, Os deputados apoiaram dois textos muito parecidos com o mesmo objetivo, numa sessão contirbada em que a primeira-ministra Theresa May acabou por dar orientação de voto contra a moção que ela própria apresentara, depois de emendada por um companheira de bancada.
A governante reagiu ao chumbo confirmando que amanhã haverá debate e votação sobre um pedido de adiamento do Brexit. O Executivo quis pressionar os deputados anunciando que caso haja um acordo aprovado até 20 de março, o pedido de prorrogação irá apenas até 30 de junho. Caso contrário, o adiamento terá de ser mais longo, obrigando o Reino Unido a participar nas eleições europeias de maio (isto porque o Parlamento Europeu então eleito tomará posse a 2 de julho e é obrigatório que contenha deputados de todos os Estados que então estiverem na UE).
A moção do Governo previa que o Parlamento rejeitasse a saída sem acordo a 29 de março, mas fazia notar que essa saída continuava a estar consagrada na lei. Mas os deputados adotaram uma emenda a essa moção, redigida pela também conservadora Caroline Spelman, a qual, embora semelhante à da governante, descartava a saída sem acordo em qualquer cenário, isto é, seja a 29 de março, como previsto, seja depois de um eventual adiamento acordado com os parceiros da União Europeia.
A própria Spelman, ciente dos embaraços que iria criar a May (que, aliás, retirara especificamente para esta emenda a liberdade de voto antes prometida à sua bancada), pediu para o seu texto não ir a votos, mas o regimento parlamentar permite que outro subscritor de uma proposta imponha a sua votação. Foi o que fez a trabalhista Yvette Cooper e o resultado foi ajustado: 312 votos a favor, 308 contra.
Travar a catástrofe
Do debate desta quarta-feira destaca-se uma palavra, ou antes sinónimos de uma mesma ideia: “catástrofe”, “caos”, “prejuízos imponderáveis”, “tragédia nacional”. Tudo expressões que vários deputados, tanto conservadores como trabalhistas, utilizaram para descrever a eventualidade de o Reino Unido sair da União Europeia sem qualquer acordo.
A Câmara dos Comuns chumbou também (por 374 contra 164 votos) a proposta de um grupo de conservadores eurocéticos para tentar pactuar com a UE um Brexit sem acordo, mas ordenado, com um prazo transitório de dois anos.
Votadas as emendas, seguiu-se a votação do texto principal, já com a emenda de Spelman como sua parte integral. O documento passou com uma maioria de 43 deputados: 321-278, com o próprio Governo a dividir-se. May ordenou ao Partido Conservador que votasse contra, mas quatro ministros abstiveram-se. Ao todo 47 deputados do partido no poder desobedeceram à governante.
Uma dissidente foi Sarah Newton, que em seguida renunciou ao cargo de secretária de Estado para a Reabilitação para apoiar a emenda de Spelman. Mas Theresa May não demitiu nenhum dos membros do Executivo que não respeitaram a sua orientação, o que tem sido lido por muitos deputados como sintoma da sua total perda de autoridade.
A oposição (trabalhista, liberal, nacionalista escocesa) exige que o Governo mostre humildade após duas pesadas derrotas (em janeiro o mesmo acordo cumbado terça-feira fora rejeitado por 432 contra 202 votos). Vários deputados exigiram a organização de votações indicativas sobre vários cenários que não o esgotado acordo de May, para apurar que condições há para forjar um consenso multipartidário.
Seria questão de colocar à apreciação da Câmara dos Comuns hipóteses que vão de um novo referendo à revogação do Brexit, passando por eleições antecipadas ou por uma versão do Brexit que não a da primeira-ministra. O líder trabalhista, Jeremy Corbyn, defendeu o seu plano de Brexit suave com permanência do Reino Unido na união aduaneira.
O speaker dos Comuns, John Bercow, a quem cabe conduzir os trabalhos, mostrou-se favorável a esta forma de debater e votar múltiplas opções. Questionado ainda sobre se seria aceitável May voltar à carga com o seu acordo, esperando que a pressão do tempo faça vergar mais deputados, prometeu estudar o assunto.
Nada está garantido
É importante realçar, porém, que nem esta nem o texto final excluem definitivamente o Brexit duro. A moção não é juridicamente vinculativa. É mais uma declaração de posição da Câmara dos Comuns do que um ato legislativo que desse uma instrução formal ao Governo. Este pode, contudo, assumi-la como tal e torná-la vinculativa. Nada indica que seja esse o propósito de May.
Além disso, do outro lado do Canal da Mancha está a União Europeia, cujos Estados-membros não estão inclinados a oferecer mais cedências ao Reino Unido até que os deputados britânicos aprovem um acordo. Bruxelas tem indicado, de resto, que um putativo pedido para atrasar o Brexit terá de ter uma justificação credivel.
Em reação aos desenvolvimentos desta quarta-feira, a Comissão Europeia frisou que para evitar o Brexit desordenado “não basta votar contra uma saída sem acordo”. Um porta-voz da Comissão Europeia explicou ao Expresso que só há duas formas de sair da UE: “com acordo ou sem acordo”. A fonte garante que a UE “está preparada para ambos” e que continua disponível e “pronta para assinar” o acordo de saída negociado com a primeira-ministra britânica Theresa May. Este é, porém, praticamente letra morta depois dos chumbos pesados de janeiro e março.
“O Reino Unido tem de nos dizer o quer para a relação futura, qual é a sua escolha. É a questão que se coloca agora e para a qual precisamos de uma resposta”, dizia esta manhã o negociador-chefe da UE para o Brexit. Perante os eurodeputados, Michel Barnier sublinhava que a posição britânica deveria ficar esclarecida antes de se avançar para um pedido de adiamento do dia da saída.
Do lado do Conselho Europeu, o comunicado de um porta-voz do Presidente Donald Tusk atirava a bola para o campo de Londres: “Os 27 esperam uma justificação credível para uma possível extensão e a respetiva duração”.