“Olhando para trás, percebo que fui um idiota. Se no céu existe Deus, então foi Ele quem me fez aguentar tudo isto”. As palavras foram ditas por Charles Robert Jenkins, em 2005, quando recordava o tempo que passou na Coreia Norte, depois de ter desertado do exército norte-americano. Quando escapou, o militar esperava encontrar uma fuga à guerra mas, uma vez em Pyongyang, foi impedido de sair e o pedido de asilo foi recusado pela embaixada soviética. O que seria o regresso à liberdade, transformou-se na prisão.
Charles Jenkins morreu esta segunda-feira aos 77 anos. Colapsou à porta de casa, na ilha de Sado, no Japão. Foi levado para o hospital, onde não resistiu a problemas cardíacos. Era o último dos quatro soldados americanos que desertaram para a Coreia do Norte nos anos 60, o único que chegou a ser libertado.
39 anos, seis meses e quatro dias
Jenkins deixou os estudos para seguir a carreira militar, tendo sido destacado para a fronteira entre Coreia do Norte e Coreia do Sul. Em 1965, o conflito na região tornava-se mais agressivo e nos militares pairava o medo de serem enviados para a Guerra do Vietname. À época com 24 anos, o soldado pensava em fugir.
“Disse-lhes [à patrulha] que tinha ouvido alguma coisa, que voltava em cinco minutos”, contou ao programa “60 minutes”. Mas não regressou. Nessa noite já tinha bebido dez cervejas, andou para norte e não parou. Quando chegou à fronteira, rendeu-se perante os soldados norte-coreanos.
Na sua cabeça o plano era relativamente simples: na Coreia do Norte pediria asilo na embaixada da Rússia e depois regressaria aos EUA, eventualmente, numa troca de prisioneiros. Mas nada aconteceu como Jenkins idealizou. Só 39 anos, seis meses e quatro dias depois daquela noite de janeiro é que deixou o país mais fechado do mundo. “Cometi muitos erros na minha vida, mas este foi o pior que alguém alguma vez cometeu. Tenho a certeza”.
Em Pyongyang ensinou inglês, fez traduções e atuou em filmes de propaganda do regime, surgindo sempre como o vilão do ocidente, refere a BBC. Jenkins foi espancado e passou por cirurgias desnecessarias, arrancaram-lhe a tatuagem do exército dos EUA sem anestesia... “Passei por frio, fome, espancamentos e tortura mental suficiente para desejar frequentemente estar morto”.
Em 1980, o regime forçou-o a casar-se com Hitomi Soga, uma japonesa que havia sido raptada para ensinar a língua nipónica aos espiões norte-coreanos. Só tiveram duas semanas antes do casamento, não se conheciam mas com o tempo apaixonaram-se. Tiveram duas filhas.
A vida correu e só em 2002, numa negociação entre a Coreia do Norte e Japão é que Hitomi Soga foi libertada. Dois anos mais tarde, foi a vez de Charles Jenkins e das filhas. Desde então, viviam na ilha de Sado. “Queria regressar aos Estados Unidos, mas a minha mulher não queria, além disso não teria forma de a sustentar. Por isso, achei que mais valia ficar onde estava.”
O ex-militar entregou-se à autoridades norte-americanas em território japonês, confessou-se desertor e foi condenado a 30 dias de prisão – a pena máxima para o crime é prisão perpetua. Cumpriu apenas 25 dias, por bom comportamento.