Internacional

Pelo menos 12 Rohingya, dez deles crianças, morreram afogados em fuga de Myanmar

Autoridades do Bangladesh dizem que até 100 pessoas seguiam no bote sobreloetado que naufragou no rio Naf ao cair da noite de domingo. Equipas de resgate continuam à procura de sobreviventes e a tentar recolher os corpos

FRED DUFOUR

Pelo menos 12 pessoas morreram afogadas este domingo no rio Naf ao fugirem da violência em Myanmar (antiga Birmânia) quando o bote sobrelotado em que seguiam naufragou antes de alcançar a costa do Bangladesh. As autoridades do país dizem que haveria até 100 refugiados Rohingya a bordo da embarcação; até agora, recuperaram os corpos de 10 crianças, de um homem e de uma mulher. As operações de resgate e de busca pelos corpos continuavam em marcha esta segunda-feira.

Esta é a última tragédia a ter lugar desde que o Exército de Myanmar lançou uma "operação de limpeza" no estado de Rakhine a 25 de agosto, que já levou quase um milhão de pessoas da minoria étnica muçulmana a fugirem para o Bangladesh. A maioria tem atravessado a fronteira a pé, entrando na cidade bangladeshiana de Cox's Bazar, onde o governo pretende construir nos próximos meses o maior campo de refugiados do mundo, com capacidade para albergar 800 mil pessoas.

Contudo, alguns milhares de Rohingya têm optado por embarcar em botes sem condições para arriscarem a travessia do Naf na tentativa de chegarem ao país vizinho; no final de setembro, um incidente semelhante já tinha provocado a morte de 60 pessoas. "Tanta gente continua disposta a embarcar em botes sobrelotados, potencialmente pessoas que não sabem nadar", refere Evan Schuurman, porta-voz da ONG Save The Children. "Estão literalmente a arriscar as suas vidas para chegarem ao Bangladesh."

Em entrevista à BBC a partir do Bangladesh, Schuurman sublinhou ontem que a situação dos Rohingya e a crise migratória gerada pelas operações militares em Myanmar constitui uma "emergência para as crianças", que têm chegado em elevado número ao país ou morrido no percurso até lá. "Uma das coisas que se torna mais evidente quando se anda nos campos [de refugiados Rohingya] é que as crianças estão a sofrer muito, estão traumatizadas e nervosas."

Os Rohingya que já fugiram de Myanmar, o país onde vivem há décadas mas que nunca lhes concedeu direitos nem cidadania, acusam as autoridades birmanesas e brigadas de cidadãos budistas apoiadas pelas forças de segurança de estarem de uma campanha deliberada para os expulsar do país. Há relatos de aldeias incendiadas, violações em massa e execuções, e o Exército é ainda acusado de plantar minas antipessoal na fronteira com o Bangladesh e de estar a queimar os corpos das vítimas para "apagar as provas" do que a ONU já referiu ser um "exemplo de limpeza étnica por definição".

As forças de Myanmar bem como o governo civil do país, liderado nas sombras pela Nobel da Paz Aung San Suu Kyi, rejeitam as alegações e garantem que a operação em curso há mais de um mês só tem como alvo "terroristas", militantes do autoproclamado Exército Arakan de Libertação Rohingya (Arsa), que no final de agosto matou 12 agentes das forças birmanesas num ataque coordenado em Rakhine.

A violência naquele estado está a afetar outras minorias étnicas como a hindu, parte da qual acusa os militantes Rohingya de a atacarem. Correspondentes no terreno dizem que as alegações de abusos em massa contra a minoria muçulmana demonstram que tem sido essa a comunidade mais afetada pela campanha militar. As autoridades birmanesas continuam a impedir o acesso de jornalistas e funcionários humanitários a Rakhine, o que não tem permitido analisar a situação no terreno de forma independente.