As forças do governo de Myanmar (antiga Birmânia) dizem ter encontrado os corpos de 28 residentes hindus do estado de Rakhine no domingo, acusando insurgentes Rohingya de os matarem quando o Exército lançou a sua mais recente "operação de limpeza" naquele estado, uma que já levou pelo menos 430 mil muçulmanos da etnia a fugirem para o Bangladesh, sob acusações de "limpeza étnica" pela ONU e por várias organizações não-governamentais no terreno.
O Exército Arakan de Salvação Rohingya (Arsa), o grupo de insurgência que, no final de agosto, lançou um ataque a postos de segurança que justificou a última ofensiva militar de Myanmar, já rejeitou as alegações, dizendo que só mata agentes de segurança e que não ataca civis.
A última onda de violência étnica em Rakhine começou a 25 de agosto, depois de militantes do Arsa terem atacado postos da polícia e um campo do Exército, matando 12 agentes — meses depois de o International Crisis Group ter alertado que, sem políticas de inclusão dos muçulmanos Rohingya na sociedade, estes só iriam reforçar a sua recém-lançada luta armada pela autodeterminação da minoria.
A resposta do Exército de Myanmar a esse ataque, apontou há duas semanas o alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, é "um exemplo de limpeza étnica por definição". As forças do governo rejeitam essas acusações, garantindo que só 400 pessoas morreram no último mês e que só combate "terroristas". As Nações Unidas já abriram uma investigação formal aos incidentes em curso.
A par da minoria étnica muçulmana, que nunca teve quaisquer direitos recohecidos na Birmânia moderna, também a minoria hindu no país de maioria budista está a ser afetada pela ofensiva. Alguns hindus já fugiram para o Bangladesh com as centenas de milhares de rohingya, queixando-se de estarem a ser alvos de ações violentas perpetradas pelo Exército e também por vigilantes budistas. Outros dizem ter sido atacados por insurgentes rohingya por suspeitas de espiarem em nome do governo.
O Exército diz que os corpos de 20 mulheres hindus e de oito crianças, todos rapazes, foram encontrados perto da aldeia de Ye Baw Kya, no estado de Rakhine, após um refugiado no Bangladesh ter entrado em contacto com a comunidade hindu em Myanmar; segundo as forças governamentais, o refugiado garantiu que, a 25 de agosto, no dia em que o Arsa lançou os ataques coordenados contra as forças de segurança, cerca de 300 militantes do grupo levaram 100 hindus daquela aldeia para uma zona remota e mataram-nos.
"Eles forçaram oito mulheres da aldeia a converterem-se à religião muçulmana e levaram-nas para o Bangladesh", acrescentou o governo. Zaw Htay, porta-voz do Executivo liderado nas sombras por Aung San Suu Kyi, diz que as forças de segurança já estão a investigar o caso. Para já, continua a ser impossível verificar estas e outras alegações de forma independente porque o governo continua a impedir que jornalistas e funcionários humanitários acedam à região.
Citado pela Reuters, um porta-voz do Arsa, cuja trégua unilateral foi rejeitada há duas semanas pelas autoridades de Myanmar, disse que o seu grupo está a ser alvo de uma campanha de nacionalistas budistas para criarem divisões entre as minorias hindu e muçulmana, acusando-os de estarem por trás das "mentiras" de que foram insurgentes rohingya que mataram o grupo de residentes daquela aldeia. "O Arsa fez um compromisso internacional de não atacar civis e isso não vai alterar-se por razão nenhuma", garantiu o porta-voz, apenas identificado como Abdullah, a partir do Bangladesh.
A violência e suspeitas de massacres em Rakhine, bem como o consequente êxodo de quase meio milhão de refugaidos para o país vizinho, representam a primeira crise que Suu Kyi enfrenta desde que o seu partido Liga Nacional para a Democracia venceu as eleições no final de 2015, o primeiro plebiscito totalmente livre a ter lugar no país depois de mais de 50 anos de ditadura militar. Antes da ida às urnas, a Junta aprovou uma Constituição que impede a Nobel da Paz de ser Presidente, embora seja tida como a líder de facto do governo civil, e que mantém sob o controlo do Exército importantes ministérios, entre eles o do Interior — o mesmo que continua a recusar-se a atribuir cidadania e a garantir direitos à minoria Rohingya.