Dificilmente se poderia arquitetar um plano mais poderoso ou que chamasse mais atenções, defende a imprensa francesa. Afinal, o ataque desta quinta-feira, em Paris, reuniu todas as condições para fazer notícia, o principal objetivo dos grupos terroristas: aconteceu na avenida Champs Elysées, provavelmente a mais famosa da capital francesa, foi dirigido diretamente a agentes da polícia e foi desencadeado apenas três dias antes de uma eleição presidencial que desde há meses promete ser renhida.
“O timing do ataque em si é significativo, porque isto vai ajudar a garantir que o grupo está no centro do discurso político em França”, explica Michael S. Smith, especialista em terrorismo e nas operações do autoproclamado Estado Islâmico (Daesh), citado pelo “The New York Times”. Se esse é o objetivo, parece atingido com êxito: afinal, desde as nove horas da noite desta quinta-feira, quando o ataque ocorreu, que os candidatos à presidência francesa estão em alvoroço e apresentam estratégias para derrotar o grupo que está de novo em destaque nas notícias.
Certo é que, há menos de vinte e quatro horas, na capital francesa, nada parecia apontar para que a noite fosse acabar de forma tão tumultuosa. Pelas nove, as lojas fechavam, o sol escondia-se e segundo, o “The Telegraph”, ainda havia milhares de turistas e de parisienses a encher a extensa avenida. Foi então que um Audi cinzento estacionou perto do número 102 da avenida, logo atrás de uma carrinha da polícia e não longe do Arco do Triunfo, e um homem todo vestido de preto saiu do veículo.
No princípio, descrevem as testemunhas que assistiram ao sucedido, parecia que o homem se dirigia à polícia com o intuito de pedir informações ou ajuda – até se aperceberem de que tinha uma arma automática, uma Kalashnikov, na mão. Depois, foi tudo muito rápido: quatro a seis tiros disparados contra a carrinha, um polícia morto no banco da frente, dois agentes feridos e uma turista alemã apanhada no meio da confusão, e finalmente o atacante morto no chão, alvejado pelos agentes franceses.
Nesta sexta-feira, já muito se disse e escreveu sobre o atacante, que a imprensa francesa está a identificar como Karim Cheurfi, um cidadão francês de 39 anos que residia num subúrbio de Paris, Chelles – a sua casa já terá sido entretanto revistada pela polícia, e três familiares detidos para interrogatório. No veículo que estacionou antes de tirar a vida a um polícia e ferir outros dois – já fora de perigo -, foram encontrados vários objetos: uma arma automática, duas facas grandes de cozinha e um exemplar do Corão.
Um suspeito “ultraviolento” conhecido das autoridades
Se o percurso de Cheurfi é já conhecido e partilhado pela imprensa francesa, isto deve-se ao facto de ter já um vasto currículo criminal e ser um velho conhecido das autoridades. Num julgamento em 2003, Cheurfi terá sido condenado a 20 anos de prisão por uma tentativa de homicídio de vários agentes da polícia, uma pena que foi depois reduzida para 15 anos e não chegou a ser cumprida na totalidade.
Para mais, o “ultraviolento” Cheurfi, como descreve o “Le Parisien”, foi também condenado em 2014 por roubo agravado. Segundo adianta o “Le Monde”, Cheurfi andaria a chamar a atenção das autoridades francesas por suspeitas de radicalização desde dezembro do ano passado, uma altura em que terá sido denunciada a sua “vontade de matar políticas para vingar os muçulmanos mortos na Síria”. Na mesma altura terá sido ainda denunciado por andar à procura de armas e a tentar entrar em contacto com um alegado combatente do Daesh, o que em janeiro levaria Cheurfi a ser incluído numa lista de suspeitos para prevenção de radicalização e tendo em fevereiro sido detido e ouvido pela polícia, que o voltaria a libertar do dia a seguir.
As suspeitas de radicalização parecem, à luz do ataque desta quinta-feira, certeiras: o Daesh demorou escassas horas a reivindicar o ataque e a referir-se ao atacante pelo seu “nome de guerra”, e os jornais franceses adiantam que terá sido encontrada junto ao seu corpo uma nota que revelava a ligação ao grupo.
“Para potenciais recrutas no Ocidente como para jiadistas experientes em zonas de conflito, incluindo membros da Al Qaeda que o Daesh tem tentado atrair para as suas fileiras, isto pode melhorar a imagem do grupo como um projeto credível que merece o seu apoio”, detalha Michael S. Smith.
Ataque terá “grande efeito” nas eleições, assegura Trump
Para além de poder ter chamado a atenção de jiadistas e potenciais recrutas, o ataque chamou certamente a atenção dos políticos franceses, numa altura em que se entra na contagem decrescente para a primeira volta das presidenciais, este domingo. Com o atual Presidente, François Hollande, a falar na noite de quinta-feira ao país para admitir a hipótese de um novo ataque terrorista – um discurso que tem sido recorrente desde os ataques de novembro de 2015, que colocaram o país em estado de emergência -, alguns candidatos cancelaram os eventos de campanha para esta sexta-feira (é o caso de Marine Le Pen, François Fillon, Emmanuel Macron ou Benoît Hamon), enquanto outros decidiram manter a normalidade e cumprir a agenda (Jean-Luc Mélenchon foi um deles).
Desde a notícia do ataque que os candidatos se apressaram a reagir – e as acusações de parte a parte não páram de chegar, depois de Donald Trump ter recorrido ao Twitter para anunciar que na sua opinião o ataque terá um “grande efeito” nos resultados de domingo.
Le Pen, a líder do partido de extrema-direita Frente Nacional, apressou-se a culpar o “Islão radical” e a dar ideias para o futuro: para a candidata, as 10 mil pessoas sinalizadas de momento como potenciais radicais islâmicos devem ser deportadas, no caso de serem estrangeiras; ficar sem a nacionalidade francesa, se tiverem dupla nacionalidade; ou ser processadas, no caso de serem francesas.
Também candidato à direita, Fillon garantiu que se for eleito terá uma “mão de ferro” para enfrentar o Daesh ao lado de Washington e Moscovo, falando de um “inimigo poderoso”: “As suas redes são poderosas, os seus cúmplices vivem entre nós e ao nosso lado”, cita o “New York Times”. Já o centrista Macron recusou ceder ao “medo”: “Eles querem que a França obedeça à irracionalidade e à divisão. O nosso desafio é proteger os franceses, não desistir de quem somos”.
As reações de Le Pen e Fillon já foram condenadas pelo primeiro-ministro francês, Bernard Cazeneuve, que se no caso de Fillon levantou dúvidas sobre a prometida mão de ferro – afinal, quando Fillon era primeiro-ministro, entre 2007 e 2012, reduziu os postos de trabalho militares e de segurança interna – em resposta a Le Pen foi mais longe: “Para todos os cidadãos e para o país inteiro, este ataque é uma tragédia. Le Pen está a tentar fazer dele uma oportunidade”.
Por entre guerras políticas, certo é que a segurança do ato eleitoral deste domingo será reforçada. Escolham quem escolherem, os cidadãos que se deslocarem aos 70 mil pontos de voto disponíveis serão protegidos por 50 mil agentes da polícia e 7 mil soldados destacados, com os serviços de inteligência a trabalhar “nas sombras”, garante Cazeneuve.