O projeto europeu foi construído com entusiasmo das elites mas apenas aceite pelos povos na medida em que lhes garantia bem-estar e segurança. Viveu várias crises e todas elas foram resolvidas com fugas para a frente. Até que a fuga foi longe demais e criou-se uma moeda sem quaisquer garantias de coesão fiscal, política e social. Foi assim que, depois de décadas de convergência, se iniciou um processo de divergência económica e social entre os Estados. Perante isto, o apelo ao egoísmo é inevitável. E o que era uma união voluntária transformou-se numa forma de dominação. A existência de um visto prévio de burocratas a orçamentos aprovados por eleitos e as repetições de referendos a tratados, até se conseguir o resultado desejado, são os melhores exemplos da deriva antidemocrática da União.
É verdade que o Reino Unido ficou fora do euro. Foi de lá, aliás, que vieram os avisos mais sensatos contra esta moeda. Também é verdade que as razões apresentadas para o ‘Brexit’ são opostas às minhas criticas. Mas não tratemos os sintomas como causas. Não é por acaso que alguém com as minhas convicções políticas se viu, muito mais vezes do que desejava, a concordar com as críticas de Nigel Farage, do UKIP, aos atropelos da União à democracia. O que aconteceu para que o porta-voz do parlamentarismo democrático fosse um político de extrema-direita? Mesmo que o faça em nome de um discurso xenófobo, como foi possível entregar-lhe este troféu? Ou deixar para Marine Le Pen a defesa das conquistas sociais dos franceses? Quando a União deixou de ser um projeto solidário e promotor do modelo social europeu, que era o verdadeiro garante da paz na Europa, não sobrou nada que justificasse a amputação das soberanias. Se é cada um por si, porque “a França é a França”, a Alemanha é a Alemanha e Portugal é apenas Portugal, que sentido faz manter uma farsa que apenas mina os alicerces das democracias nacionais?
Não é apenas por xenofobia que metade dos britânicos pondera seriamente sair deste barco à deriva. É porque o único argumento que sobra para os convencer a ficar são os custos económicos da sua saída. E o que apenas depende do medo apenas convida ao egoísmo. Já não espero que o ‘Brexit’ assuste alguém em Bruxelas. Nada parece travar a inexorável caminhada para o abismo. E é por isso que, por mais distante que esteja dos argumentos britânicos, vejo neles uma saudável manifestação de vigor democrático. Diz o povo que candeia que vai à frente alumia duas vezes. Se houver ‘Brexit’, em vez do medo e da chantagem, que passaram a ser as marcas identitárias da União Europeia, decido pela pedagogia: eles que nos mostrem como se faz este caminho que outros terão de trilhar. Alumiem-nos.
Texto publicado na edição do Expresso de 18 junho 2016