Comunistas e bloquistas convergem na condenação do que consideram ser um "golpe" em curso no Brasil, que pretende no fundo destituir a presidente Dilma Rousseff.
O PCP considera que existe uma “ação montada contra Lula da Silva”. Trata-se de “uma intensa operação de desestabilização e de cariz golpista”, protagonizada pelos “sectores mais retrógrados e antidemocráticos” da sociedade brasileira, afirma ao Expresso o gabinete de imprensa dos comunistas (num texto que o PCP posteriormente divulgou como comentário à situação atual no Brasil).
Por “via da instrumentalização do poder judicial e da ação de órgãos de comunicação social”, os comunistas afirmam que estão a ser lançadas as “condições para a reversão dos avanços nas condições de vida do povo brasileiro alcançados nos últimos 13 anos” (desde o início do primeiro mandato presidencial de Lula).
Para o Bloco de Esquerda, nas palavras de Jorge Costa (vice-presidente da bancada parlamentar e membro da Direção do partido), “direita e extrema-direita brasileiras apoiam-se nos sucesivos escândalos para desencadear um golpe de Estado no estilo do século XXI, articulado a partir do sistema judicial e de grandes empórios financeiros”.
Lula com sombra de pecado
Se a condenação do “golpe” é feita por igual pelos dois partidos portugueses mais à esquerda, os bloquistas, ao contrário dos comunistas, fazem questão de não ilibar o antigo presidente brasileiro na disponibilidade por ele mostrada para regressar à política. Recorde-se que a posse de Lula como ministro da Casa Civil de Dilma, na quinta-feira, foi suspensa poucas horas depois por um tribunal, estando o caso pendente de uma decisão final.
“Lula da Silva não deveria recorrer a um cargo político para alterar a entidade que o julgará“, diz Jorge Costa ao Expresso. “Não se vence a corrupção suspendendo a legalidade, nem se defende a democracia com abuso de poder”, justifica.
Da aristocracia aos evangélicos
Os bloquistas identificam quem está por detrás do que se passa no Brasil: “A aristocracia latifundiária, industrial e financeira”, que no passado foi incapaz de travar as políticas iniciadas por Lula.
Agora, prossegue Jorge Costa, “as forças políticas que representam“ [aquela aristocracia], juntamente com os sectores conservadores evangélicos, são quem está a ensaiar o derrube de Dilma Rousseff”.
Para o dirigente do Bloco, uma saída de Dilma “seria hoje o triunfo das manobras do golpe judicial”.
Vítimas da corrupção e das alianças feitas
Para o Bloco, o novelo em que a presidência brasileira está enredada deve-se em muito à escolha das companhias. “As alianças à direita que o Partidos dos Trabalhadores fez nos últimos anos para apoiar os seus governos não podia acabar bem. Lula e Dilma dependeram de representantes das piores práticas de corrupção da política brasileira e acabaram por ver o seu Governo envolvido no caso Mensalão, entre outros”, diz Jorge Costa.
Também para o PCP o mal vem, exclusivamente, de fora para dentro: “O que sobressai nos recentes acontecimentos no Brasil não é a tentativa de combater a corrupção e um sistema político eleitoral que a favorece, mas antes uma acção protagonizada pelos sectores mais retrógrados - eles próprios mergulhados em décadas de corrupção”.
O dedo do Tio Sam
Para o PCP, o que está em curso no Brasil é “uma ação de desestabilização indissociável do conjunto de manobras de ingerência promovidas pelos EUA visando os processos progressistas e de afirmação soberana na América Latina”.
Para os comunistas, noutro ponto nada é também obra do acaso: “Os recentes desenvolvimentos (...) não podem ser desligados do aprofundamento da crise do capitalismo que marca a situação internacional e que tem atualmente profundas consequências nos chamados países emergentes”.
O PCP declara-se “solidário com as forças progressistas brasileiras, com os trabalhadores e o povo e a sua luta em defesa dos seus direitos, da democracia, da justiça e progresso social”.
O Bloco vislumbra o fim de um ciclo: “Entre uma política sem rumo e sem critério e a vingança da oligarquia pelos anos de modesta redistribuição da riqueza, entre abuso institucional e estratégias desesperadas de sobrevivência política, afunda-se as esperanças de milhões de brasileiros”.