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Quando investir um bilião de euros não chega

Transição: em 2022, o dinheiro aplicado em energia limpa igualou, pela primeira vez, o que foi investido nos combustíveis fósseis. Mas chegar a zero emissões em 2050 vai exigir um esforço maior. Conclusões da cerimónia da 28ª edição dos Prémios REN, que contou com o Expresso como media partner

Albert Cheung é o CEO delegado da Bloomberg NEF e falou na cerimónia sobre o futuro da transição energética
João Girão

Ana Baptista

O número é surpreendente: um bilião de euros. Foi este o montante investido na transição energética em todo o mundo em 2022, um valor que, pela primeira vez, igualou o que foi aplicado nos combustíveis fósseis. E, este ano, de acordo com as contas da Bloomberg New Energy Finance (BNEF), o investimento em energias limpas vai ser superior, em grande parte por causa dos projetos de renováveis e do aumento da oferta e procura de carros elétricos. Contudo, se o objetivo — pelo menos na Europa e nos EUA — é chegar a 2050 com zero emissões de carbono, então este montante surpreendente ainda não chega. “Vamos ter de fazer muito mais”, nota Albert Cheung, o CEO delegado da BNEF, uma empresa de estudos na área da energia.

Ainda há tempo

“Para chegarmos a zero emissões em 2050, temos de investir cerca de três vezes o ritmo atual de agora até 2030. Estes investimentos incluem as energias renováveis, os veículos elétricos, o armazenamento de energia e uma série de outras áreas, como o hidrogénio e a captura de carbono. Portanto, neste momento, não estamos no bom caminho, mas ainda há tempo para o fazer”, repara Albert Cheung.

“A perspetiva para as energias renováveis é mais forte que nunca”, diz o mesmo especialista, acrescentando que há quase 1000 GW de nova capacidade a ser instalada em 2030, na sua maioria solar. Além disso, “muitos governos estão a apostar no armazenamento de energia, estimando-se um crescimento de 2,6 vezes entre 2022 e 2030”, continua. Nos carros elétricos, a “velocidade do progresso é impressionante, esperando-se que, em 2026, 30% dos carros vendidos no mundo sejam elétricos”, considera. E “as tecnologias menos maduras estão a começar a escalar, como o hidrogénio e a captura de carbono”, diz ainda.

Até a guerra na Ucrânia — que provocou problemas na segurança de abastecimento e um aumento dos preços, principalmente do gás natural — pode ser vista como uma oportunidade para acelerar mais o processo de transição energética. Não só porque “ajudará a reduzir a dependência da importação de energia e, dessa forma, a exposição a choques geopolíticos”, mas também porque, “neste momento, o solar é mais barato que importar o gás natural liquefeito (GNL)”, repara Albert Cheung. Que acrescenta: “Já não estamos a escolher a transição energética só por ser mais sustentável, mas sim porque é a melhor opção económica.” Aliás, para este responsável, até os países em vias de desenvolvimento, principalmente os mais pequenos, “onde a maior preocupação é o crescimento económico e não a transição energética”, estão a começar a olhar para soluções sustentáveis. “Apesar dos desafios, as renováveis mantêm-se como a fonte de energia mais barata do mundo”, considera.

Por isso é que haverá um momento em que os consumidores e as empresas vão pagar menos pela energia que consomem, não só porque será mais barata mas também porque há tecnologias que permitem uma maior gestão dos consumos. “Os consumidores podem ter contadores inteligentes, podem ter baterias para armazenar eletricidade para usar depois ou mesmo usar o carro elétrico para esse efeito”, exemplifica Albert Cheung, acrescentando que “tudo isto ajuda à transição energética”.

Aliás, “as ações dos governos e dos reguladores são muito importantes neste processo, porque a estabilidade de regras são a chave, mas o motor da transição energética são as empresas e as pessoas”, conclui.

O prémio

Albert Cheung falou ao Expresso no âmbito da conferência de entrega do Prémio REN 2023 que decorreu esta semana em Lisboa e na qual fez uma apresentação sobre o presente e o futuro da transição energética, incluindo os seus desafios e oportunidades, como explicámos em cima. Isto porque, de acordo com o CEO da REN, Rodrigo Costa, este prémio — que é entregue todos os anos às melhores teses — tem mostrado bem como a transição energética está no pensamento dos alunos e investigadores. E com qualidade, diz o presidente do júri, João Peças Lopes. “Temos uma excelente capacidade de resposta a estes desafios e aos [princípios] fundamentais da transição energética”, acrescenta. E isso vê-se nos temas das teses vencedoras (ver caixa ao lado), já que quase todas procuram soluções para uma maior incorporação das renováveis na produção de eletricidade, para o expectável aumento da eletrificação da sociedade e para o impacto que isso terá nas redes.

€20 biliões até 2050

De acordo com os dados da BNEF apresentados por Albert Cheung, num cenário de emissões de carbono zero em 2050, a produção renovável aumentará de 12% em 2022 para 76% em 2050 e o consumo de eletricidade será 3,2 vezes superior ao atual, pelo que será preciso um investimento global de 20 biliões de euros até 2050 no aumento, acessibilidade e digitalização das redes de transporte e distribuição. Porque, remata Albert Cheung, “elas são necessárias para suportar toda a transição energética”.

Os premiados REN em 2023

Nesta 28ª edição, foi distinguida a melhor tese de doutoramento — que apenas é entregue de dois em dois anos — além das habituais teses de mestrado, das quais são escolhidas cinco (três prémios e duas menções honrosas). Na cerimónia, que decorreu na segunda-feira no Hotel Ritz, em Lisboa, foram ainda distinguidos os trabalhos de estudantes e investigadores de países africanos de língua portuguesa, um prémio criado em 2021 pela REN, o Centro Ciência LP e a Fundação para a Ciência e Tecnologia.

Prémio REN Melhor Tese de Doutoramento (€30 mil)

Justino Miguel Ferreira Rodrigues, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP)

Trabalho: “Funcionalidades avançadas para transformadores inteligentes que integram microrredes híbridas”

Melhores teses de Mestrado

1º prémio (€25 mil) Nuno Alexandre Gonçalves Mendes, Universidade de Coimbra

Trabalho: “Uso da aprendizagem federada na previsão da procura bruta de energia em comunidades de edifícios”

2º prémio (€15 mil) Ana Sofia Silva, FEUP

Trabalho: “Comportamento dinâmico de sistemas de transmissão com inércia reduzida”

3º Prémio (€10 mil) Maria Beatriz Lima, FEUP

Trabalho: “Bombas de calor magnetocalóricas para aquecimento de edifícios”

Menções Honrosas(€2500 cada)

Hélder Pereira, Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP)

Trabalho: “Um novo ecossistema multinível e baseado na comunidade que suporte uma decisão mais dinâmica dos consumidores no uso de redes inteligentes”

Diogo Lavado, Escola de Ciência e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa

Trabalho: “Deteção de torres de suporte de linhas elétricas via segmentação semântica interpretativa de uma nuvem de pontos em três dimensões”

Medalhas de Mérito Científico REN — Ciência LP (€5000 cada)

Rosa Chilundo, Moçambique

Trabalho: “Estudo do sistema fotovoltaico de bombeamento de água para irrigação e suprimento de outras demandas energéticas: caso do tomate, distrito de Boane, província de Maputo”

Chadido Lacerda Diogo, Moçambique

Trabalho: “Energias renováveis como solução para eletrificação nas comunidades rurais na perspetiva de sustentabilidade, confiabilidade e segurança” Caso de Estudo: Posto administrativo de Chinamacondo, distrito de Dondo.

Distinções

Na cerimónia da 28ª edição dos Prémios REN, que contou com o Expresso como media partner, foram distinguidas as melhores teses de mestrado na área da energia e entregues medalhas de mérito científico a trabalhos e investigações que mais ajudaram a resolver os desafios que se colocam à transição energética.

Textos originalmente publicados no Expresso de 17 de novembro de 2023