Projetos Expresso

Tecnologia ao serviço das pessoas e do planeta

Inclusão. Transformação digital permite resolver muitos dos problemas globais “se houver vontade política e económica”. Proteção da biodiversidade, novos modelos educativos e cidades que respondem a necessidades reais são determinantes, como foi abordado no GeSI (Global enabling Sustainable Iniciative), que teve o Expresso como media partner
Pelas águas nacionais passa 97% do tráfego marinho do mundo. O potencial económico que Portugal pode retirar dessa biodiversidade é elevado
FOTO getty images

Fátima Ferrão

Portugal tem uma faixa costeira superior a 800 quilómetros, mas o que muitos portugueses não sabem é que pelas águas nacionais passa 97% do tráfego marinho do mundo. Isto significa que o país controla uma vasta extensão marítima e que, por isso, o potencial económico que pode retirar da biodiversidade marinha é muito elevado. Atualmente, a chamada economia azul — que engloba todos os sectores que dependem do oceano — representa, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), 5% do Produto Interno Bruto (PIB), 4% do emprego, e 5% das exportações, um valor acima das vendas de vinho ou cortiça para outros mercados. Outro dado interessante é que o crescimento anual desta economia do mar é cerca do dobro da economia nacional. Ou seja, há aqui oportunidades de negócio que podem contribuir igualmente para a proteção da biodiversidade do oceano.

“A biodiversidade é uma grande oportunidade para mudar e melhorar as desigualdades”, defende Helena Freitas. A professora da Universidade de Coimbra e membro do Conselho Coordenador Internacional do Programa Man and the Biosphere, da UNESCO, participou recentemente na conferência Digital With Purpose, organizada pelo GeSI (Global enabling Sustainable Iniciative), e que teve o Expresso como media partner, e foi a responsável pela recolha dos dados, informação, opiniões e ideias que resultaram no Manifesto para a Biodiversidade (ver caixa). “Valorizar a biodiversidade cultural, e apreciar o conhecimento e a sabedoria local, contribui para a proteção de toda a biodiversidade”, sublinha.

Este foi um dos pilares temáticos desta conferência e, como refere Helena Freitas, “muito importante, apesar de se falar pouco”. No fundo, explica, “é o que permite fazer as coisas de forma mais eficaz, tornar a agricultura mais produtiva, e construir cidades eficientes”. Basta pensar que é a partir da natureza que o Homem extrai conhecimento e matéria-prima para se alimentar, vestir ou tratar.

“Aprender a aprender”

Outro pilar essencial para a evolução das sociedades é a educação. Tema central e em mudança acelerada, empurrado pela tecnologia. “A má notícia é que a educação não mudou muito no último século e continua a promover desigualdades”, aponta Pedro Santa Clara. Por exemplo, em Portugal, aos 15 anos, alunos de classes económicas desfavorecidas estão, em média, dois anos atrasados em relação a outros estudantes. O que significa, diz, que o prometido ‘elevador social’ não está a funcionar. Para o fundador da Escola 42 em Portugal, e diretor do recém-inaugurado centro TUMO, em Coimbra, os estudantes precisam, em primeiro lugar, “de aprender a aprender”. O modelo pedagógico desatualizado exige uma revolução e o digital terá um papel fundamental. O problema “continuam a ser interesses e agendas próprias que não querem mudar”.

Mas, a pressão para a mudança já é visível através de vários projetos pedagógicos alternativos. É o caso da Escola 42, especializada no desenvolvimento de software, onde não há aulas nem professores. A aprendizagem é feita com o apoio de outros alunos, através da criação de projetos e de gamificação, sem qualquer custo, e com uma taxa de empregabilidade de 100%. “Este método desenvolve o pensamento crítico — uma das competências mais importantes de acordo com o World Economic Forum —, o trabalho de equipa e a capacidade de comunicação”, salienta Pedro Santa Clara.

Digital pode impactar em 45% das metas globais relacionadas com biodiversidade, educação e cidades inteligentes

Já no TUMO, cujo primeiro centro nacional abriu a semana passada em Coimbra, a abordagem é semelhante. “É um centro de tecnologias criativas que promove um programa educativo complementar ao ensino formal, gratuito, inclusivo e inovador, no formato e no conteúdo”, explica o professor. Os jovens, entre os 12 e os 18 anos, decidem o que vão aprender entre oito áreas que aliam criatividade e tecnologia: música, animação, robótica, modelação 3D, design gráfico, desenvolvimento de jogos, programação e cinema. “A escolha é fundamental porque fomenta a curiosidade, a responsabilidade e a iniciativa”, reforça Pedro Santa Clara. Ao longo do programa há workshops, laboratórios multidisciplinares e trabalho em projetos do mundo real.

Um modelo semelhante ao da Brave Generation Academy (BGA), lançada pelo empresário Tim Vieira, e que já conta com 33 centros em Portugal. “Os sistemas escolares tradicionais não deixam as crianças tirar completo partido do seu talento e capacidades, o que vai limitá-las no futuro”, explica o fundador. Na BGA, a aprendizagem é personalizada segundo os interesses do aluno, colaborativa e com o acompanhamento de um tutor. “Aprender fazendo tem mais impacto. E é preciso lembrar que a educação é central para resolver problemas globais”, conclui.

3 manifestos para o futuro

Transformar as palavras em ações concretas era a meta desta conferência. Os dados estão lançados

Biodiversidade

  • Problema Inclui a diversidade de espécies, recursos genéticos e ecossistemas e é essencial para o bem-estar humano que, com o seu impacto, colocou um milhão de espécies em risco de extinção. A sete anos das metas para 2030 urgem medidas para enfrentar a crise. O digital é fundamental.
  • Solução Reforço da cooperação entre empresas de tecnologia, academia, populações locais e indígenas para criar modelos de negócios éticos, com financiamento a longo prazo. É preciso formar em tecnologias digitais para incluir e preservar sistemas de conhecimento tradicionais.

Educação

  • Problema Garantir evolução para um mundo justo, sustentável, centrado no ser humano e equitativo, utilizando as tecnologias digitais emergentes. A educação é um pilar essencial das sociedades e deve estar no centro desta mudança, e ser acessível a todos.
  • Solução Sistemas educativos ultrapassados precisam de reforma urgente. Há métodos inovadores de ensino e aprendizagem que evitam divisão social, que é necessário disseminar. Inteligência emocional, adaptabilidade social e conhecimento digital são competências obrigatórias. Governos devem liderar a mudança.

Smart Cities

  • Problema Transformação das cidades está orientada para interesses e oferta de soluções que não vão ao encontro das necessidades reais dos seus habitantes. Não há estratégias e falta alinhamento com as metas climáticas e de sustentabilidade.
  • Solução Foco nas pessoas e no planeta. Soluções sustentáveis devem ser desenvolvidas à medida da necessidade real. Definir objetivos de longo prazo, com aplicação gradual de curto prazo. Projetos devem ser liderados por municípios e comunidades locais.

Textos originalmente publicados no Expresso de 6 de outubro de 2023

O DIGITAL ÚTIL

A segunda edição do Digital With Purpose, organizada pelo GeSI (Global enabling Sustainable Iniciative), tendo o Expresso como media partner, decorreu durante três dias. O encontro resultou num manifesto de ações concretas a desenvolver na biodiversidade, educação e cidades inteligentes.