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“Há uma ditadura das Finanças em relação à Economia”

No Encontro Fora da Caixa que decorreu esta segunda-feira, em Sines, discutiram-se as muitas oportunidades que ali existem para a economia portuguesa, mas também os novos e velhos entraves que precisam de ser resolvidos

Ana Baptista

Hidrogénio, amónia, renováveis, exportação de gás natural liquefeito, biocombustíveis, cabos óticos, baterias de armazenamento de energia, produção de novos alimentos, descarbonização do transporte marítimo… São muitas as oportunidades de negócio que podem nascer em Sines e servir para impulsionar a economia portuguesa, mas há também muitos entraves e não são apenas os mais recentes, como a pandemia, a guerra na Ucrânia, ou a inflação. A burocracia e a falta de capacidade de decisão são dois exemplos de entraves que já existem há muito tempo.

Foi este confronto de ideias que predominou no Encontro Fora da Caixa, uma iniciativa da Caixa Geral de Depósitos (CGD), em parceria com o Expresso, e que decorreu esta segunda-feira em Sines e que contou com um variado painel de participantes: Paulo Macedo, CEO da CGD; António Costa Silva, ministro da Economia; Jorge Seguro Sanches, deputado à Assembleia da República; Jorge Vasconcelos, presidente da Newes; o economista José Félix Ribeiro; o advogado da Miranda e Associados, Nuno Marques Antunes; Filipe Silva, CFO da Galp; Luís Nagy, presidente do conselho de administração do grupo ETE; João Manso Neto, CEO da Greenvolt e ainda Francisco Cary, administrador executivo da CGD. Estas foram as principais conclusões.

1. As oportunidades

  • Energia, tecnologia, comunicação e internet, transportes e logística, e bioeconomia - “porque está em curso uma revolução na alimentação” - são alguns dos sectores de atividade que o economista José Félix Ribeiro entende terem oportunidades de negócio em Sines. Mas destes todos, há dois que se destacam. O das comunicações e tecnologia é um deles, e o ministro da Economia referiu isso na entrevista que deu momentos antes, dando como exemplo os €17 mil milhões de investimento privado que estão previstos para a zona de Sines na área da ciência de dados, nomeadamente a construção de cabos óticos submarinos. “Porque os dados são o petróleo deste século”, considera.
  • Mas parece ser na energia que há mais oportunidades, ou pelo menos, foi neste sector que o encontro mais se centrou, nomeadamente na produção de hidrogénio, no armazenamento de energia e, por causa da guerra na Ucrânia, na utilização do porto de Sines como ponto de transição para o gás natural liquefeito (GNL) que vem dos EUA para a Europa. “A invasão da Ucrânia espatifou por completo a estratégia da Alemanha de depender menos dos EUA, mas agora a alternativa são os EUA, que souberam aproveitar essa oportunidade de forma muito clara e rápida. Há dez anos, ninguém pensava que os EUA iam ser dos maiores exportadores de gás natural do mundo”, diz Félix Ribeiro.
  • De facto, para Nuno Marques Antunes, Sines já estava identificado como um pólo importante para o crescimento da economia portuguesa, mas agora “tornou-se ainda mais”. Aliás, Jorge Seguro Sanches mencionou que, já em 2017, numa visita a Sines, o ministro do Ambiente alemão havia ficado entusiasmado com a possibilidade do porto receber GNL vindo dos EUA. O problema é o tempo que demora até haver concretização. “É bom ver esta vontade de fazer, mas temos de ser realistas. Em 2004 foi feita uma audição pública aqui em Sines onde se perguntou se o porto podia ser um hub de gás natural. Isso foi há quase 20 anos”, diz diz Jorge Vasconcelos. Aliás, o próprio ministro da Economia diz que “Portugal tem grandes ideias, mas péssimas execuções”.

2. Os entraves

  • Todos os intervenientes no encontro desta segunda-feira concordam que são variadas as oportunidades de negócio em Sines, algumas das quais até já estão em marcha, como os projetos de hidrogénio e de biocombustíveis da Galp ,ou só de hidrogénio da EDP. Mas, no debate, ficou claro que há muitos entraves a ultrapassar. Nuno Marques Antunes menciona as leis que são aprovadas e que depois são difíceis de implementar, porque não houve antes uma discussão conjunta sobre o que era necessário. Já Félix Ribeiro considera que o Estado não tem tido um papel organizador e que continua “a pensar em silos”, o que “é disparatado”, além de fazer com que se gaste “imenso dinheiro”. E Jorge Vasconcelos menciona a necessidade de uma estratégia clara no gás natural, porque, diz Nuno Marques Antunes, apesar da descarbonização, “em 2050, os combustíveis fósseis ainda vão cá estar”. Aliás, Manso Neto frisa que “o hidrogénio não pode ser a solução para tudo” e que não se pode diabolizar e reduzir a produção de gás natural porque foi por isso mesmo que os preços da energia subiram o ano passado, antes da guerra na Ucrânia.
  • Há depois as questões técnicas. Jorge Seguro Sanches refere que Portugal tem produção de renováveis para acomodar os projetos de hidrogénio, mas Filipe Silva diz que “para a ambição que temos no hidrogénio, não há eletricidade renovável que chegue”, porque para ter 600 MW de capacidade de eletrólise (o processo que se permite a produção de hidrogénio) são precisos cerca de 1,2 GW de eletricidade de origem verde, ou seja, “duas vezes o consumo de Lisboa”.
  • E existem ainda as questões burocráticas. Manso Neto repara que os licenciamentos dos projetos de autoconsumo “estão a demorar eternidades” e Luís Nagy fala das particularidades dos concursos, dizendo que “há uma ditadura das Finanças em relação à Economia”. Aproveitando a presença do ministro da Economia na assistência, pediu-lhe para ter atenção a essa situação: “O concurso de concessão que ganhámos penaliza quem apresentava prazos maiores, por exemplo. Quem apresentasse um ano tinha 10 pontos e quem apresentasse 30 anos tinha zero pontos. Um ano não é suficiente para os investimentos e acordos que têm de ser feitos. Mas para as Finanças é bom ser um prazo de um ano porque depois existem mais concursos e, com mais concursos, entra mais dinheiro”, repara.

3. O presente e o futuro da economia

  • Para pôr em prática as oportunidades que Sines pode proporcionar à economia portuguesa é, contudo, preciso ter em conta o estado atual da economia e para Paulo Macedo há pontos negativos e positivos. Como pontos negativos o CEO da Caixa frisa a falta de mão de obra, “tanto em qualidade como em quantidade”; “a questão dos salários” e a importância de “intervir no número de horas de absentismo” como forma de aumentar o número de pessoas disponíveis para trabalhar. Mas também refere outros problemas mais recentes, causados pela pandemia e depois reforçados pela guerra na Ucrânia, como a inflação, a disrupção das cadeias logísticas, o aumento dos custos da energia e a alteração das fontes de abastecimento.
  • Por isso, diz o CEO da Caixa, o modelo de globalização que todos conhecíamos até agora está a ser posto em causa, com as empresas a serem obrigadas a mudar procedimentos, como por exemplo, precisarem de fazer stock - porque pode faltar material ou atrasos nas entregas - de encontrar “novas redes de fornecedores e pontos de abastecimento mais próximos” ou mesmo de construir “fábricas mais próximas” porque, diz, “a produção ganha uma nova importância, porque tem de ser aqui. O apelo à reindustrialização é uma nova oportunidade e uma necessidade”.
  • Estas alterações nas empresas podem obrigar a “algum tipo de investimento”, repara Paulo Macedo, que assegura que “os bancos estão sólidos. Têm capital e querem dar crédito e há concorrência porque as taxas de juro estão tão baixas que os bancos precisam de mais volume. Qualquer pequenas empresa consegue crédito em três bancos e uma grande empresa em seis bancos”, conta. Este é, aliás, um dos pontos positivos que refere. Outro são as projecções positivas de crescimento para este ano, a vontade de investir e ainda o facto de muitos sectores terem mostrado uma melhoria relevante nos resultados, face a 2020 e até a 2019, antes da pandemia, não só o turismo mas também , por exemplo, a metalomecânica.