Projetos Expresso

Covid-19 expõe iliteracia digital

Projetos Expresso. Emprego. Ainda falta aos portugueses capacidades básicas, como fazer uma reunião por videochamada. Apenas 26% têm competências digitais. É urgente requalificar os trabalhadores

A requalificação é importante porque, no futuro, quatro em cada dez funções serão altamente digitais
Getty Images/iStockphoto

Portugal tem ainda — em particular a população ativa e trabalhadora — uma literacia digital significativamente baixa e a pandemia, com a sua forte aceleração tecnológica, veio evidenciar ainda mais essa lacuna. E não falamos apenas da falta de competências avançadas, como a robótica ou a inteligência artificial. Falamos de capacidades básicas, como enviar um e-mail ou fazer uma reunião em videochamada. De acordo com o Índice de Digitalização da Economia e da Sociedade (DESI) 2020, citado pela PwC, apenas 26% dos trabalhadores têm competências digitais na ótica do utilizador e só 12% têm competências avançadas, o que coloca Portugal abaixo da média europeia, que também não é muito alta (28% e 21%, respetivamente).

Em parte, esta realidade está relacionada com os baixos níveis de escolaridade que ainda existem no país, diz Vanda Jesus, diretora-geral do Portugal Digital, mas há outros fatores, acrescenta Miguel Fernandes, consultor da PwC. Como haver “uma percentagem significativa da população que nunca utiliza a internet [22%, segundo o DESI]”, o preço elevado dos serviços de internet, o baixo número de licenciados e especialistas em tecnologias de informação ou a reduzida taxa de mulheres nestas áreas.

Ora, de acordo com todos os oradores da conferência que a PwC e o Expresso organizaram sobre competências digitais no local de trabalho, a única forma de combater esta situação é investir mais na educação e na requalificação da força de trabalho, esteja ela empregada ou não. “Todos temos consciência do que se ganha em ter trabalhadores mais formados”, comenta António Leite, vice-presidente do conselho diretivo do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP).

Esta aposta na formação e na requalificação digital já está a ser feita há algum tempo, até porque a digitalização da economia e da sociedade não começou agora. Mas se a pandemia expôs ainda mais a iliteracia digital, também mostrou o quão urgente é a qualificação nestas áreas e o quão importante é reforçar essa aposta. E foi isso que aconteceu.

Mais projetos de requalificação

Segundo Vanda Jesus, o Portugal Digital — que é o plano do Governo para a capacitação digital — foi apresentado em detalhe a 5 de março de 2020, “uma semana antes” de ser declarado o primeiro estado de emergência. Mas os projetos avançaram na mesma. Por exemplo, o IEFP anunciou, em novembro do ano passado, um acordo com a Confederação Empresarial de Portugal (CIP) para formar 25 mil trabalhadores no âmbito do programa Emprego + Digital. E o Upskill, que é um programa de requalificação digital para desempregados que dura nove meses e termina com a colocação numa das empresas parceiras na área das comunicações, formou e empregou 400 pessoas em 2020 e já está prevista uma segunda edição para este ano, conta António Leite. “É o melhor programa neste momento”, repara, lamentando que ainda seja insuficiente, tanto da parte dos trabalhadores como das empresas, cuja procura incide muito em pessoas com competências digitais (ver coluna ao lado). De facto, diz António Leite, em 2020 inscreveram-se seis mil pessoas no Upskill e era suposto haver mil vagas, mas só foram possíveis 400.

De acordo com o responsável do IEFP, nota-se uma “maior abertura à inovação e à mudança”, com muitos dos que perderam o emprego na pandemia a recorrer a este tipo de cursos, mas as necessidades de formação não são apenas na área digital, recorda. Aliás, segundo Carim Jafar, presidente do conselho nacional da Fundação Aga Khan Portugal, quando se faz formação, “é preciso perceber a essência do problema do beneficiado e dar-lhe as ferramentas para ele sair desse problema. Sem isso, a requalificação só resulta a curto ou médio prazo”, conclui.

Frases do evento

“É terrível e dramático as pessoas acomodarem--se. A educação e a formação, por vezes, são a única forma de evitar a exclusão”
António Leite
Vice-presidente do conselho diretivo do IEFP

“É preciso formar a faixa da sociedade que está fora do mercado de trabalho”
Carim Jafar
Presidente do conselho nacional da Fundação Aga Khan Portugal

“O nosso grande esforço é que haja uma grande aposta na requalificação, porque a aprendizagem ao longo da vida é fundamental”
Vanda Jesus
Diretora-geral do Portugal Digital

Requalificação digital vai aumentar

Estudo A pandemia obrigou a acelerar a digitalização, mas ao mesmo tempo expôs a falta de competências nas áreas digitais. Segundo dados da PwC, a maioria dos gestores contactados garante que vai ser preciso apostar muito mais na requalificação e na formação dos trabalhadores, até porque tudo indica que o trabalho remoto se mantenha no pós-covid e que a tecnologia ganhe um papel ainda maior nas empresas e na vida das pessoas.

52%
é a percentagem de adultos europeus que precisam de requalificação devido às mudanças no mercado de trabalho, segundo dados do EC Digital Scoreboard 2020, citados pela PwC. A isto acresce que 42% dos adultos não têm competências digitais básicas. Isto cria um fosso entre o que as empresas procuram e as competências dos trabalhadores, já que 90% dos empregos na Europa exigem competências digitais básicas

Estima-se que haja, na União Europeia, 400 mil vagas abertas para especialistas em tecnologias de informação. A isto juntam-se os 350 mil profissionais de cibersegurança que serão precisos em 2022

Melhorar empresas e trabalhadores

Investimento O Plano de Recuperação e Resiliência prevê €2,85 mil milhões para a transição digital das empresas e da administração pública, o que inclui a transformação digital das empresas e dos seus processos, por exemplo nas escolas. A isto acrescem €1369 milhões para qualificação dos trabalhadores, mas que vão além das competências digitais. Tudo somado dá €4,2 mil milhões para o digital a receber entre 2021 e 2023.

28%
das empresas têm políticas de cibersegurança em Portugal, 39% usam técnicas de encriptação de dados e 41% fazem avaliações periódicas. Uma maior digitalização implica uma melhor gestão dos riscos cibernéticose uma maior aposta na cibersegurança, mas o país, com os 28%, parece estar longe disso. Segundo dados da PwC, Portugal é a terceira maior vítima de cibercrimes na UE

Textos originalmente publicados no Expresso de 19 de fevereiro de 2021