Projetos Expresso

O que de novo está a nascer na energia em Portugal

Projetos Expresso. Indústria. Energia solar, armazenagem, redes inteligentes, eficiência energética ou hidrogénio. Está tudo a ser investigado, alguns por alunos, e em breve podem tornar-se num cluster industrial e exportador

Alberto Frias

No final dos anos 1990, o Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC) investigou e desenvolveu um sistema de gestão de redes de distribuição chamado DMS, que depois a empresa portuguesa EFACEC exportou para vários países do mundo, como a Tunísia, Vietname, Brasil ou Moçambique.

Uns anos mais tarde, em 2007, a EDP Distribuição começou a desenvolver o projeto Inovgrid, uma rede elétrica inteligente que permite, por exemplo, resolver falhas de energia à distância e que atualmente existe em várias cidades de Portugal, Espanha e Brasil. Mais recentemente, em 2019, um aluno da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) criou um conversor eletrónico bidirecional que se liga à bateria dos carros elétricos e que permite que ela use a energia armazenada para a descarregar na rede. E, este ano, um outro aluno da FEUP encontrou forma de transformar um dos condensadores que existem nos inversores dos painéis solares num dispositivo de armazenamento, próprio para ser usado nas instalações colocadas nas casas para autoconsumo.

Se não fazia ideia de que Portugal tinha tantas invenções na área da energia, estes quatro exemplos mostram bem que “estamos na vanguarda da investigação a nível mundial”, diz ao Expresso o engenheiro, professor e investigador na área da energia, João Peças Lopes. Além disso, mostram também a evolução do sector e que o foco atual é o da eletrificação, porque “a eletricidade é o principal vetor da descarbonização”, repara Peças Lopes, também presidente do júri do Prémio REN.

De facto, toda a estratégia para atingir a neutralidade carbónica em 2050 baseia-se na substituição dos combustíveis fósseis por eletricidade produzida por fontes renováveis, uma transição que provoca alterações profundas nas redes, produção de energia e nos equipamentos que a usam. É, por isso que, atualmente, “as áreas da energia que são objeto de investigação com maior sucesso são as ligadas às fontes de energia renovável (inicialmente a eólica e, mais recentemente, a solar), à armazenagem de eletricidade ou à gestão e operação das redes inteligentes”, adianta o diretor de Exploração da REN, Albertino Meneses, um dos elementos do júri. Porque, se a eletrificação é a base da descarbonização, as renováveis são a base da eletrificação, e o solar é agora a tecnologia mais competitiva em termos de custo e capacidade de produção.
Peças Lopes conta mesmo que há estudos em curso que vão permitir que, “daqui a cinco anos se possa ir ao supermercado comprar uma bateria de parede para usar em casa” ou ainda que “todos os equipamentos elétricos de uma casa comuniquem entre si através de um sistema que pode custar €50”. Aliás, se reparar na coluna ao lado, as teses vencedoras dos prémios REN 2020, incluindo as menções honrosas, estão todas ligadas aos temas da energia solar, armazenagem e redes elétricas.

Da investigação aos cluster industriais

Há ainda outros temas de investigação ativa em Portugal, igualmente ligados à eletricidade e às renováveis. É o caso das energias do mar que, em breve, terão centros de investigação em Viana do Castelo e em Aveiro — um deles na área da energia fotovoltaica flutuante — e outro, promovido pelo INESC, na área da robótica para monitorizar e reparar infraestruturas, plataformas e equipamentos flutuantes em alto mar. Contudo, com o acelerar do processo de descarbonização e o apertar das metas, algumas delas já para 2030, começaram a surgir outras áreas de estudo. “Assiste-se a um cada vez maior interesse na área da produção, transporte, armazenagem e distribuição de hidrogénio”, diz Albertino Meneses.

Aliás, o hidrogénio em Portugal tem tudo para ser mais do que uma área de investigação. Em julho deste ano, a EDP, Galp, Martifer, REN, a dinamarquesa Vestas e outros parceiros europeus anunciaram que estavam a avaliar “a viabilidade do projeto H2Sines, que visa implementar um cluster industrial de produção de hidrogénio verde em Sines”. Além disso, diz o presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis, Pedro Amaral Jorge, “podemos aproveitar a metalomecânica e a indústria dos moldes para automóveis para fazer os eletrolisadores usados na produção de hidrogénio [são eles que permitem separar da água a molécula do hidrogénio]”. Mas Portugal tem também “oportunidade para criar um cluster de eficiência energética” com as empresas de construção, acrescenta o presidente da APREN. E há já planos para instalação de uma unidade de produção de conversores de energia das ondas por parte de uma empresa sueca.

É que esta ‘coisa’ da investigação e das invenções na área da energia não são apenas trabalhos académicos sem efeitos práticos. Pelo contrário. A criação do DMS ou da Inovgrid, que lhe contámos no início do texto, são exemplos disso. E tanto o conversor bidirecional para carros elétricos como a armazenagem em painéis solares têm “valor industrial”, atenta Peças Lopes. Mas o cluster industrial mais reconhecido na energia é o de Viana do Castelo, onde se fazem as pás para os aerogeradores das eólicas e de onde já se exportam “€300 a €400 milhões por ano, em média, nos últimos dez anos”, diz Pedro Amaral Jorge. Um cluster que surgiu da “aposta do Estado português numa nova política energética (logo no início do século XXI) e a consequente entrada em força da energia eólica no sistema elétrico nacional”, recorda Albertino Meneses.

Por isso é que Peças Lopes não tem dúvidas. “Temos capacidade científica e capacidade de produzir investigação de alta qualidade e transformá-la em equipamentos industriais”, remata.

Os vencedores

1º PRÉMIO (€25 mil)

“Conversão de energia de geração fotovoltaica com inércia sintética”
João Ramos, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP)

Mestre em Engenharia Eletrotécnica e Computadores pela FEUP — tal como o resto dos investigadores que compõem o pódio do Prémio REN —, está no Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC)
a explorar uma solução para armazenar energia num painel fotovoltaico

2º PRÉMIO (€15 mil)

“Fast Assessment of Dynamic Behaviour Analysis with Evaluation of Minimum Synchronous Inertia to Improve Dynamic Security in Islanded Power Systems”
João Megre Barbosa, FEUP

O investigador encontra-se atualmente na Direção de Serviço aos Ativos da EDP Distribuição e a sua tese “aborda a problemática da segurança e estabilidade de sistemas elétricos com forte integração de fontes renováveis”

3º PRÉMIO (€10 mil)

“Missing Signal Appraising in Globally Optimized Networks”
Luís Miguel Teixeira, FEUP

No mestrado, especializou-se em sistemas elétricos de energia e continuou o seu trabalho no INESC TEC, onde se encontra a aprofundar a sua tese de mestrado sobre novas formas de análise de redes elétricas

Menções Honrosas (€2500 cada)

“Desenvolvimento de um microinversor para sistemas de energias renováveis em microrredes distribuídas”
Sérgio Miguel da Silva Coelho
Universidade do Minho

“Coordinated Operation of Electric Vehicle Solar Parking Lot as a Virtual Power Plant”
Tiago Poças de Almeida
FEUP

Textos originalmente publicados no Expresso de 4 de dezembro de 2020