O Centro de Congressos de Lisboa acolheu esta quinta e sexta-feira, o regresso da iniciativa Lisbon Agri Conferences, que juntou vários especialistas nacionais e internacionais, com o objetivo de partilhar conhecimento e inspirar os vários participantes a redefinirem o futuro do sector agroalimentar.
No painel de debate, com o tema “Como construir o futuro dos sistemas alimentares”, que teve lugar neste segundo dia de conferências, os vários intervenientes falaram dos desafios que as empresas enfrentam para criar redes alimentares sustentáveis e que medidas estão a tomar para revolucionar a alimentação.
Fazer agricultura de forma holística
Clara Moura Guedes, CEO da Saltiproud/Monte do Pasto (Portugal) reconheceu as dificuldades do sector, mas revela estar otimista quanto ao futuro. “Acredito que será possível resolver esta dicotomia entre precisarmos de alimentar muita gente e a questão de o fazer de forma sustentável, bem como fazer face às desigualdades do ponto de vista geográfico em que há parte do mundo com défice de proteína e outra com excesso de consumo. É preciso encontrar respostas diferentes para situações diferentes”, aponta. Desafiada a falar sobre o impacto que a produção de carne tem no ambiente, Clara Moura Guedes alertou para a necessidade de ver este tema de uma forma holística.
“Há outras externalidades positivas da existência dos animais nos ecossistemas. Só 14% da alimentação animal é usada para consumo humano (…)” alerta a responsável, e continua: “Somos neutros em carbono porque fazermos agricultura holística e produção de massa verde, que compensa as emissões. Desenvolvemos projetos para produção de carne sustentável controlando toda a cadeia”, refere Clara Moura Guedes, que dá exemplos como a utilização de painéis solares, que dão sombra aos animais ao mesmo tempo que produzem energia, e a comercialização da carne, em quantidades mais pequenas e congelada, como parte da estratégia de redução do desperdício alimentar.
Carne de laboratório é alternativa?
O tema da “Lab-grown meat” (carne produzida em laboratório) foi levantado como uma alternativa ao consumo de carne animal, com Jean-Baptiste Bachelerie, CEO da Sonae Sparkfood (Portugal), defensor desta prática, a revelar-se menos otimista em relação ao futuro do atual sistema alimentar. “Temos de alimentar 10 mil milhões de pessoas e se não aumentarmos em 50% a produção de comida não vamos conseguir”, garante, ao mesmo tempo que avisa ser necessário todos os intervenientes nesta cadeia trabalharem juntos para mudar a forma como comemos. “Não podemos estar à espera de incentivos ou do desenvolvimento. Tem de ser um trabalho também individual. Temos de ajudar as pessoas a perceber que o consumo de proteína pode ser animal, porque é bom, mas que também podem consumir mais produtos de origem vegetal. A agricultura regenerativa também tem um papel importante e, se mudarmos agora para estas práticas, conseguimos restaurar o solo e a biodiversidade, e trazer melhores produtos”, salienta.
Jean-Baptiste Bachelerie garante ser necessário reduzir a percentagem de terreno usado para alimentar os animais que, segundo o especialista, se situa atualmente nos 75%. “Coletivamente temos de reconhecer que temos de diminuir o consumo de carne e olhar para opções que sejam de origem vegetal. Há soluções a chegar ao mercado, soluções híbridas, com proteína produzida por fermentação, por exemplo. Mas isto poderá só estar implementado no mercado daqui a dez anos. Temos de mudar agora.”
Reformular nutrientes para mudar hábitos
Inês Lima, Diretora Geral da McDonalds’s (Portugal), considera que a oferta de alimentos tem de se adaptar sempre à expectativa dos consumidores. Mas as empresas alimentares desempenham um papel importante na mudança de comportamentos, oferecendo, por exemplo, mais opções. “Hoje (na McDonalds’s) temos hambúrgueres de vaca, vegetariano, “plant based” ou frango e é nas camadas mais jovens que mais facilmente se fazem a mudança de comportamento.”
Para além do que se oferece ao consumidor, Inês Lima chama a atenção para a “parte invisível” como a reformulação nutricional dos produtos, reduzindo sal, açúcar e gordura, sem alterar o sabor, uma estratégia partilhada também por Anna Lenz, CEO da Nestlé, Portugal, que acredita que em portugal o risco não está na falta de calorias, mas sim no consumo de “calorias vazias”, com falta de nutrientes minerais. “Para este tema, podemos ajudar fortificando produtos. Quando o problema está no excesso de calorias, temos a responsabilidade de ajudar a informar, com uma mensagem clara, ou até mudar para receitas mais saudáveis. Nos ingredientes como sal e gordura podemos ajudar a controlar”, explica Anna Lenz dando um exemplo posto em prática pela Nestlé. “No Chocapic fomos tirando o açúcar e já tirámos 30% nos últimos anos. Mas com isso mudámos o gosto e a textura. Os consumidores às vezes não aceitam, então criamos um produto paralelo, como no caso do Nestum e o Nestum Zero. Mantivemos o produto original, para quem tem esse palato, mas para os novos consumidores há novos produtos. Pode-se tratar disto muito na educação infantil.”
Reforçar confiança e comunicação
José María Bonmatí, Diretor da AECOC (Espanha), fala desta capacidade das marcas de terem outros elementos disponíveis, mas relembra que é preciso ter uma visão mais abrangente. "Ás vezes focamos só num tema mas o importante está noutro lado. Temos de fazer um esforço para nos explicarmos melhor (…). Como sector temos de continuar a reforçar a confiança dos consumidores, melhorar a transparência, mostrando de onde vêm os produtos e como se produzem”.
Também Robert de Vreede, Diretor de Marketing e Desenvolvimento de Negócio de Nutrição na Unilever (Holanda), reconhece que não é fácil influenciar os consumidores mas que se podem dar pequenos passos: “As pessoas olham para o que podem pagar e para como o alimento sabe. E mesmo que não possam pagar, ainda procuram sabor. Todos sabem o que precisam comer para serem saudáveis. Mas é aplicado a uma escala limitada, a menos que seja o médico a aconselhar”, conclui.
Com mais de 700 participantes presenciais, e milhares a assistir online, as edição deste ano das Lisbon Agri Conferences teve o grande objetivo de promover o sector agroalimentar e partilhar conhecimento através de oradores reconhecidos mundialmente, no sentido de inspirar e promover novas estratégias com responsabilidade, dinamismo e sustentabilidade para o futuro.