Cresci com duas ideias em mente quanto à direita: a primeira é que defende o capitalismo; a segunda é que defende a família. Foi isto que fui ouvindo – e que, já mais graúdo, reivindico. A defesa do capitalismo como o melhor sistema económico para a garantia do bem-estar geral; a defesa da família como átomo fundamental da sociedade.
A questão da família foi até um adubo para as ramificações da direita. No essencial, duas: uma direita ultramontana, que restringe a ideia de família ao conjunto de um homem, uma mulher e filhos; e outra direita, liberal, que não coloca asteriscos na ideia de família quanto à orientação sexual dos pais.
O debate leva décadas, mas com um elo de ligação entre quem está de um lado e de outro: os filhos. A sua existência é umbilical à ideia de família e inseparável da ideia de sociedade. A família é, aliás, a primeira identidade que o indivíduo adquire. Ao envelhecer, surgem outras. Quando se torna ativo na procura de emprego, logo adquire uma: a do trabalho.
Essa é omnipresente na sociedade moderna e revela-se pela primeira pergunta a um desconhecido: “então que fazes?” Já a ouvimos e já a fizemos - quer eu, quer o leitor. E por conta dessa questão, levantam-se duas. A primeira é que o indivíduo se encontra entalado na lógica capitalista de que a sua identidade advém daquilo que produz. A segunda é que não consegue pensar além do capitalismo, como Mark Fisher bem alerta na obra “Capitalist Realism”.
Pelo capitalismo, cabe à sociedade produzir e gerar riqueza. Só que a ordem social nunca advém do trabalho, por si só. Se é verdade que o trabalho é um fator de identidade e de socialização, é também verdade que a identidade primária deriva de casa; deriva da família. Foi da construção de uma teia legislativa que permita conciliar o trabalho com a família que se geraram as sociedades com maior fator de bem-estar no mundo. Olhe-se para como os países nórdicos tratam as licenças parentais. Vejam-se, nesse quesito, como um caminho a percorrer-se, nunca o seu contrário. Nunca o retrocesso, em nome da criação de riqueza que, é um facto, é aquilo que nos distingue desses países.
Porque a família, por ser natural, é um direito. Por estar ligada à ideia de perseguir a felicidade, para muitos. Por ser uma vontade; uma aspiração. Além disso, recorrendo ao cinismo pragmático, por ser uma necessidade. Um país como Portugal, mergulhado na areia movediça que é a crise demográfica que atravessamos, com as mazelas que ela causará na Segurança Social, na Saúde e em toda a estrutura da sociedade portuguesa, só em estado demencial é que colocaria mais entraves à criação de família.
Em reuniões com entidades patronais, nenhum governo, ainda mais de centro-direita, deve ceder no tal direito, na felicidade de muitos, na tal vontade, na aspiração, por um prato de lentilhas para alguns.
Tem faltado a família à mesa.