As coisas mudaram, para muito pior.
O resultado das eleições fez-me crer que está na altura de aprendermos a tocar violino, já que o barco da Liberdade se está a afundar.
O poder parlamentar deste país recai na direita, com dois terço da representação (AD, Chega e IL). Esta força pode fazer alterações à lei fundamental, quando em concordância, sem precisar do PS. Esta distribuição de poder decidida pelo povo é uma vitória do pior que ainda pode vir aí: a manipulação, a ignorância, o sensacionalismo e o marketing da mentira ganharam.
O júri das legislativas — o povo português — deu ainda mais pontos a um partido que inclui um acusado de violar uma criança, mentirosos compulsivos, agressores de mulheres, um ladrão de malas e ladrões de liberdade. Se por um lado tal me alarmou, por outro não me devia ter admirado, já que este é o país que deu a segunda maior votação da Eurovisão ao colonizadores israelitas sem alma. Já Dinis de Oliveira Fernandes escrevia que “A Eurovisão é o verdadeiro Parlamento Europeu“. Neste caso, os resultados das legislativas são o resultado de um povo que só lê as manchetes, não mete a colher entre marido que bate na mulher, diz mal de imigrantes sem dados factuais em conversas de café e tem um jornalismo guiado mais pelo sensacionalismo do que pela imparcialidade.
A ignorância, o ódio, a estupidez, o egoísmo de pensar o que é melhor só para si mesmo, foram os protagonistas. Mas o teatro não acaba aqui. Já passamos pelo Prólogo e o Párodo de coros de chavões e frases feitas. Nesta fase a trama avança e a Tragédia Grega ganha a forma da sua primeira palavra. Talvez nos próximos dias entrem os cantos líricos do coro que refletem sobre a barbaridade que foi feita nas urnas. Se o teatro é baseado na vida e a vida tanto teatro tem, haverá um Êxodo, uma libertação, uma tomada de consciência do que se fez.
O que pode ajudar neste processo de Tragédia?
- Precisamos de mais informação fidedigna. Para além de retóricas falaciosas que contorcem a realidade em chavões, partilha de informação que incentiva à violência contra minorias de poder, e disseminação de informações falsas, uma investigação da CNN concluiu que são falsas 58% das contas da plataforma X (antigo Twitter) que promovem o Chega.
- Os debates entre líderes partidários precisam de ser dignificados com mais tempo, em vez de dar mais voz a comentadores parciais do que aos candidatos ao poder do Parlamento.
- O jornalismo precisa de mais imparcialidade e de correr menos atrás do sensacionalismo. Deu-se mais cobertura a um líder político no hospital devido a um suposto refluxo esofágico do que a proposta de campanhas de partidos, numa altura crucial de decisão de voto. Inclusive, David Dinis, diretor-adjunto do Expresso criticou a cobertura mediática estapafúrdia que as televisões portuguesas fizeram à hospitalização de André Ventura, realçando a responsabilidade enorme das televisões e o quão descabido (e perigoso, digo-o eu) é “passar-se 50% de um dia a discutir porque é que André Ventura foi parar a um hospital ou não”.
- Precisamos de nos deixarmos de mesquinhices de cisões dentro de grupos que apoiam a liberdade, a autonomia corporal, a igualdade de género e de oportunidades e os direitos LGBTQIA+. É urgente fomentar o associativismo e o coletivo, a educação e a participação políticas.
- Precisamos de menos chavões e de mais ação social com base em factos.
O fascismo prolifera na ignorância, da memória curta e da vontade desregrada de mudar, nem que isso signifique passar de insónias a pesadelos reais. O discernimento do povo português entrou em burnout e está de baixa.
Tudo o que eu mais quero é que as pessoas tenham condições para viver. Que o direito à habitação não seja um luxo. Que a minha geração consiga comprar casa sem ser herdeira. Que eu possa dar a mão à minha namorada na rua sem medo. Que as mulheres não precisem de viver em constante alerta. Que as vítimas de assédio e violação não sejam as primeiras a ver a sua verdade posta em causa. Que o salário mínimo seja o que a sua criação prometia ser: o suficiente para se viver com dignidade. Que o povo não perdoe de tal forma violadores e ladrões ao ponto de os eleger como seus representantes para o Parlamento. Que a Palestina seja livre dos seus colonizadores. Que o país consiga escolher: ou é Laico ou vive com Empatia, porque Nosso Senhor Jesus Cristo não iria aprovar esta direita movida pelo capital e não pelo bem-estar das pessoas. Jesus expulsou os mercadores do Templo, o Povo abriu os braços a quem lhes vai fazer sofrer a alma.
Mesmo assim, não podemos deixar que o luto anule a esperança: o cravo não murchou, apenas precisa de mais água.