Geração E

“Adolescência”: o alerta de uma geração e um aviso para mudarmos de políticas

“Adolescência” não nos fala apenas dos jovens — fala do que deixámos de lhes dar: tempo, presença, limites, comunidade

Há séries que entretêm. Outras que nos fazem pensar. “Adolescência”, a minissérie britânica que tomou de assalto os rankings da Netflix, faz as duas coisas — mas não se fica por aí. Os seus quatro episódios são um murro no estômago, uma pergunta inquietante lançada a pais, educadores, políticos e a toda uma geração que cresceu a deslizar o polegar em ecrãs brilhantes.

A história é simples, e por isso brutal: Jamie, 13 anos, acusado do homicídio de uma colega. Não é um enredo de crime e castigo. É uma espiral de silêncio, incomunicação, vulnerabilidade. Uma tragédia que se vai revelando num plano-sequência contínuo, sem cortes — como a vida.

A série, que liderou audiências em 71 países, arrasta-nos para o centro da sala de aula, para o corredor da escola, para o quarto de um adolescente onde o mundo inteiro cabe dentro de um telemóvel. E no espelho do ecrã, vemos refletidas as nossas falhas coletivas: a solidão juvenil, o bullying digital, a masculinidade tóxica, a cultura incel, a dependência algorítmica que transforma likes em validação e vídeos em anestesia emocional.

Não espanta que no Reino Unido já se discuta exibir a série nas escolas. E não admira que tantos pais se tenham sentido expostos, vulneráveis, talvez até culpados. Porque “Adolescência” não nos fala apenas dos jovens — fala do que deixámos de lhes dar: tempo, presença, limites, comunidade.

O alerta vem da ficção, mas o exemplo chega da realidade — e do Norte. A Dinamarca, país habituado a liderar rankings de felicidade, acaba de implementar medidas claras e corajosas: proibição de telemóveis nas escolas e centros pós-letivos; bloqueio de acesso a redes sociais e sites de apostas; um plano de reconquista do espaço público e da saúde mental das crianças. O objetivo é tão pragmático quanto ambicioso: devolver aos jovens o foco, a atenção, a interação com o mundo real.

Portugal, como tantas vezes, fica a meio caminho. Há escolas que recomendam restrições ao uso de telemóveis até ao segundo ciclo, é certo. Mas falta-nos um rumo nacional, uma visão comum. Falta-nos coragem política para fazer o óbvio: proteger as crianças de uma dependência que ainda fingimos ser inevitável.

Vivemos uma adolescência coletiva — confusa, entre a inércia e a lucidez, entre o scroll infinito e o desejo de mudança. Mas há um tempo em que é preciso decidir: queremos continuar a ser espectadores ou vamos assumir a responsabilidade de adultos?

A esquerda, em particular, não pode fugir deste debate. Porque é na infância e na juventude que se joga a igualdade de oportunidades. Porque é na escola pública que se molda o futuro comum. E porque é nas políticas do cuidado — da saúde mental, da pedagogia, da presença — que se constrói uma sociedade mais livre e mais justa.

“Adolescência” é uma série sobre jovens, mas é também um espelho da nossa omissão. E um aviso: se não formos nós a construir um presente mais saudável, mais lento, mais humano — serão os nossos filhos a herdar o vazio.