Miguel Pauseiro, novo presidente da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), considera que o cheque-livro ficou aquém das expectativas. A iniciativa, que em 2024 deu 20 euros aos jovens com 18 e 19 anos para comprarem um livro à sua escolha, ainda só foi usada efetivamente por 26 mil pessoas.
Houve 40 mil cheques-emitidos até fevereiro, mas 14 mil ainda não foram resgatados. A associação que reúne os responsáveis do mercado literário em Portugal considera que o potencial da medida era de 210 a 220 mil pessoas abrandigas e agora está a trabalhar de perto com o Ministério da Cultura e a Direção-Geral do Livro dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB) para diagnosticar os problemas e encontrar soluções para acelerar a execução.
O orçamento atribuído a cada jovem terá sido, no entender deste responsável, uma dos entraves ao sucesso do programa, e é algo que já não será possível solucionar nesta edição. O valor do cheque-livro, de 20 euros, está "muito longe" daquilo que a APEL aconselhou ao Governo.
“Não se criam leitores com a compra de um livro”
"Nós propusemos 100 euros porque nos parecia um valor compaginável com o objetivo de criar leitores. E não se criam leitores com a compra de um livro, criam-se leitores com uma regularidade do hábito da leitura e, portanto, isso pressupõe mais do que uma compra", defendeu.
Apesar disso, considera fundamental promover a adesão à medida e reforçar a comunicação para que mais jovens aproveitem a oportunidade.
Observa-se uma forte correlação entre o resgate do cheque-livro e comunidades de estudantes universitários, pelo que as estratégias de comunicação têm de ser ajustadas para estimular a adesão, aproveitando datas especiais, como o Dia dos Namorados, afirmou Pauseiro à Agência Lusa.
Também foram identificadas dificuldades operacionais, que "têm de ser revistas", como a exigência da chave móvel digital, que pode ser um entrave para alguns utilizadores.
"Pode ser um pouco moroso no sentido em que ativar a chave móvel digital não é imediato, pode demorar uns dias, mas também me parece que não é isso que possa ser verdadeiramente desincentivador. São algumas arestas que têm de ser limadas, para além do desenvolvimento tecnológico".
Na perspetiva dos livreiros, que "têm interagido com a APEL", de facto, "é necessário agilizar a operação, garantindo todos os níveis de verificação e de auditoria sobre o programa".
"Mas agilizar de modo a que, por exemplo, uma transação que ocorre num terminal de um retalhista aderente, ato contínuo, seja transposto para a plataforma cheque-livro, sem necessidade de haver aqui intervenção manual, que muitas vezes até conduz a erros".
Miguel Pauseiro acredita, portanto, nos benefícios da medida a longo prazo, com os devidos ajustes e otimização.
Acesso grátis a ebooks e audiobooks gera preocupações
Quanto à BiblioLED, plataforma das bibliotecas públicas que empresta gratuitamente de ebooks (livros digitais) e audiobooks (audiolivros), o responsável da APEL mantém preocupações em relação aos direitos autorais e à economia do livro físico, especialmente no que diz respeito ao impacto nas livrarias locais e na definição territorial do acesso aos livros digitais.
Este é um ponto "não de somenos importância, que tem a ver objetivamente com os direitos de autor, que é a salvaguarda de que a partir desta plataforma não circulem cópias digitais, cópias dos livros que estão na plataforma".
Outra questão que o preocupa tem a ver com a própria definição territorial, na medida em que, ao contrário daquilo que acontece com o livro físico numa biblioteca, na BiblioLED a "economia local do livro é claramente prejudicada".
“Este exercício de buscar o livro, ter o livro físico por uns dias e retorná-lo à biblioteca, biblioteca essa, que compra localmente, à livraria local, ao retalhista local, o livro. Não me estou a referir apenas a Lisboa, posso referir-me à Figueira da Foz, ou Freixo de Espada à Cinta, ou Trancoso, o que for. A economia local do livro é claramente prejudicada É verdade que pode haver uma compensação do equilíbrio entre a componente digital e o livro físico, adquirido pela biblioteca, mas isso não está garantido”, afirmou.
Miguel Pauseiro salvaguardou, contudo, que estas preocupações não significam que a APEL esteja contra os novos formatos, até porque reconhece que são necessários para alcançar novos públicos.
A APEL continuará a organizar eventos como a Feira do Livro de Lisboa e a Festa do Livro de Belém, mas também o Book 2.0, reforçando a sua relevância como espaço de debate sobre desafios e oportunidades para o setor do livro, indicou.
O presidente da associação revelou mesmo estar a considerar expandir o Book 2.0 para fora de Portugal, com um crescente reconhecimento internacional, o que demonstra o impacto positivo do evento no cenário global.
“Estamos a ser desafiados por congéneres nossos e estamos a avaliar essa possibilidade”, contou, acrescentando: “Uma das coisas que mais me surpreendeu, quer na primeira edição, quer na segunda edição, tendo nós trazido convidados das mais variadíssimas partes do mundo, foi ter pessoas que convidámos dos Estados Unidos, da Holanda, da Noruega, dizer-nos ‘é incrível o que vocês fazem aqui, isto não tem sido possível fazer nos nossos países, nós precisamos disto'”.