Geração E

Sim, Aguiar-Branco tem razão: é preciso aumentar o salário dos políticos

Se é verdade que os políticos, ainda assim, ganham acima do salário médio, é ainda mais significativo que recebem bem menos que um gestor ou uma pessoa com responsabilidades proporcionais no setor privado

No passado fim de semana, o presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, disse, em entrevista ao Expresso, que é preciso rever o estatuto das incompatibilidades e aumentar a remuneração dos políticos. A segunda figura do Estado diz o que já muitos cavaleiros solitários, como Sérgio Sousa Pinto, defenderam, mas, pelo cargo que ocupa, presta um serviço redobrado a Portugal e à democracia, alertando para um tema que crescentemente nos deve preocupar.

Nos 50 anos de democracia, progredimos muito. E é uma loucura dizer o contrário. Na educação e nas qualificações, na saúde e na redução da pobreza, na igualdade de género e na liberdade individual, alcançámos conquistas verdadeiramente civilizacionais, que materializam avanços muito importantes e fascinantes.

Não podemos dizer o mesmo quanto à forma como valorizamos, tratamos e retribuímos a política e os políticos. Nesta matéria, se olharmos para os dez anos que se seguiram à revolução e os compararmos à última década, vemos que a classe política passou de respeitada e prezada, a espezinhada e mal vista. Portanto, regredimos.

É certo que para parte desta mudança contribuíram os próprios comportamentos de alguns políticos, seja pela corrupção, pelo afastamento de muitos do eleitorado ou pela altivez e indiferença com que governaram. No entanto, cometemos um erro quando passamos a julgar todos pelos erros de alguns. É errado quando se passa da constatação de que algumas maçãs em algumas árvores da democracia se revelaram podres para a condenação do pomar todo à desconfiança e ao desrespeito.

Com efeito, a mentalidade que impera tem resultados práticos negativos. Por exemplo, os políticos e gestores públicos são a única classe que, até há pouco, via ainda mantidos os cortes nos seus salários desde o período da crise. A reposição dos cortes foi um pontapé de saída que repôs a justiça e acabou com a irracionalidade de penalizar quem se disponibiliza para o serviço ao país e à coisa pública. Quanto à remuneração, penso que continua aquém do desejável e necessário. Poderão responder que em Portugal há salários baixos e que, por isso, o facto de os políticos ganharem mal é não mais que um reflexo desta infelicidade geral. No entanto, se é verdade que os políticos, ainda assim, ganham acima do salário médio, é ainda mais significativo que recebem bem menos que um gestor ou uma pessoa com responsabilidades proporcionais no setor privado.

Com números fica mais fácil de entender. Segundo dados de 2024, um ministro aufere uma remuneração mensal bruta de cerca de 7190€. Ora, se olharmos para uma média do salário dos CEO e dos administradores executivos das empresas do PSI vemos que os primeiros ganham, em média, mensalmente, 92.291€ e os segundos cerca de 57.136€. Em termos percentuais, um ministro ganha perto de 8% do salário médio de um CEO de uma empresa do PSI e de 13% do de um administrador executivo das mesmas.

As consequências desta desproporcionalidade são óbvias: os melhores ficam desincentivados a estar na vida pública, a não ser que detenham fortuna familiar ou que o façam em sacrifício próprio, sobrando quase somente os que não arranjariam melhor senão o que a política lhes pode dar e pagar.

Para os que dizem querer combater a corrupção, mas são contra o aumento dos salários dos políticos, fica a reflexão: deixar orçamentos de milhões de euros nas mãos de quem ganha mal, não deixará esses mesmos muito mais sujeitos e propícios às pressões (e seduções) do poder económico?

Para além disto, muito se fala da famosa geração mais qualificada de sempre. Contudo, só alguém muito ingénuo poderá não entender que, se nada for feito, essa geração fugirá a sete pés da política porque esta não conseguirá competir nem de perto nem de longe com os salários praticados no mundo diversificado do setor privado. Assim, teremos, em contraciclo com a sociedade, uma classe política menos preparada que a que lhe precedeu (o que já vem acontecendo).

Não obstante, o afastamento da política dos melhores não acaba nos salários dos políticos. O regime de incompatibilidades atualmente em vigor é verdadeiramente insustentável e excessivo, erguendo sobre todos a nuvem da desconfiança, sem que por isso haja uma tradução disto numa séria e desinteressada vigilância cívica e judicial da atividade dos servidores públicos.

Por outro lado, estende-se o tapete à desonra e à calúnia nos meios de comunicação social e nas redes sociais, com a quebra do segredo de justiça e a desinformação ou oportunismo de algum jornalismo, que trata arguidos como condenados, ou até quase ostracizados em potência.

Como podemos pedir aos melhores que se predisponham a ir para a política se o que os espera é ganharem mal, serem mal vistos e, no limite, estarem sujeitos ao achincalhamento em praça pública? Sabendo isto, como podemos nada fazer para o mudar?

A falta de coragem e a impopularidade deste discurso tem levado muitos a dele se esquivarem. Esse facto faz ainda mais importante dizer que é preciso aumentar os salários, tal como é urgente combater a mentalidade contra a política e os políticos (até presente na lei) e, ainda, combater a quebra do segredo de justiça e as fugas de informação, que são ainda por cima, na maior parte das vezes, imprecisas.

Se isto tudo for ignorado, o resultado será o progressivo deterioramento da classe política, que já se nota, e, consequentemente, uma pior governação do país, seja qual for o partido que a conduza.

Finalizando, é um importante aspeto de maturidade democrática estarmos disponíveis para reconhecer que, mesmo em democracia, podemos regredir em certos aspetos. Essa constatação faz-nos estar mais alerta e ser mais humildes na análise das realidades.

Aguiar-Branco foi exemplar, reconheceu e apontou para este problema. Cabe aos políticos, sem vergonhas, resolver a questão, não por si, mas pelos que vêm depois de si. Mas cabe também à sociedade civil perceber que este é também um problema seu.

Não tenham dúvidas, piores políticos resultarão sempre num pior país.