Geração E

Quando o lobo do discurso de ódio se mascara de ovelha de liberdade de expressão — xenofobia e homofobia no seu melhor

O tipo de raciocínio que permite a proliferação de discurso de ódio rotulado de liberdade de expressão, é um lobo mascarado de ovelha que acaba a potenciar exercícios de preconceito nocivo contra comunidades de minoria de poder e representatividade, nomeadamente, as mulheres, a comunidade LGBT+, comunidades migrantes, diferentes etnias, cores de pele, capacidades económicas e contextos geopolíticos

Nota introdutória: a rotulação perigosa de ‘discurso de ódio’ como ‘liberdade de expressão’

Nestes dias, tendo em conta a declaração do Presidente da Assembleia, José Pedro Aguiar-Branco, como resposta à intervenção xenófoba de André Ventura, vemos posta em causa a definição de liberdade de expressão.

Liberdade de expressão é poder partilhar um pensamento, uma opinião. No entanto, uma coisa é dizer que não se gosta de bolo-rei, outra coisa é dizer que os turcos são preguiçosos. Assim, nem todas as “opiniões” são realmente opiniões, podendo ser, na verdade, uma demonstração de preconceitos e incitação à exclusão de comunidades e violência contra elas. Um exemplo da consequência deste preconceito severo, é o alegado crime de ódio contra imigrantes no Porto que aconteceu no passado dia 10, onde seis suspeitos portugueses invadiram a casa de imigrantes e os agrediram. Inclusive, está a ser investigada uma possível ligação dos agressores ao grupo neo-nazi 1143.

O tipo de raciocínio que permite a proliferação de discurso de ódio rotulado de liberdade de expressão, é um lobo mascarado de ovelha que acaba a potenciar exercícios de preconceito nocivo contra comunidades de minoria de poder e representatividade, nomeadamente, as mulheres, a comunidade LGBT+, comunidades migrantes, diferentes etnias, cores de pele, capacidades económicas e contextos geopolíticos.

Por exemplo, é totalmente diferente dizer “gosto mais da camisola laranja” ou “ser gay, a meu ver, é uma doença”. Só para esclarecer, só a primeira é uma opinião, a segunda é uma demonstração grave de preconceito e falta de informação.

Quando o discurso de ódio avança para violência efetiva: o caso das mulheres assassinadas por serem lésbicas

No passado dia 17, festejou-se o Dia Internacional Contra a Homofobia, Transfobia e Bifobia. Um dia antes,três mulheres lésbicas foram assassinadas na Argentina. Alegadamente, um homem de 62 anos, Justo Fernando Barrientos, terá atirado panos em fogo para o quarto das mulheres, numa pensão para pessoas com dificuldades económicas. Isto não é um assassinato, é um ataque homofóbico. As mulheres acabaram por morrer devido aos ferimentos graves. Relatos de um morador do mesmo prédio, Sergio Araujo, revelam que, quando as vítimas estavam a tentar fugir às chamas, Justo (que ironia de nome) as empurrou novamente para o quarto.

“Éramos cinco a tentar afastá-lo para que ele não continuasse a bater-lhes”, disse Diego Brítez, outro residente, de 51 anos de idade.

Esta demonstração de ódio por parte do suspeito não foi uma situação isolada, sendo que Justo era explicitamente preconceituoso em relação às mulheres, devido à orientação sexual delas.

“Eles discutiam bastante. Chamava-lhes 'engendros' [expressão espanhola para criatura deformada] por causa da sua condição sexual”, conta Britez.

Se tecer comentários depreciativos contra pessoas LGBT já é grave, este crime horrendo eleva a fasquia da manifestação consequente de discursos de ódio.

Desta forma, antes de criticarem as manifestações de Pride LGBT, lembrem-se das pessoas assassinadas unicamente por causa da sua orientação sexual. Lembrem-se como em vários paísesser homossexual ainda comporta pena de prisão e até chicotadas e pena de morte. É por haver tantas pessoas LGBT vítimas de todos os tipos de violência, no país e pelo mundo fora, que é necessário demonstrarmos orgulho de sermos LGBT, sem medo. Uma parada Pride é uma celebração de liberdade, um abraço coletivo. Quanto à referência estúpida da inexistência de paradas do “orgulho hetero”, que surge sempre neste contexto, digam-me lá se alguma pessoa já foi assassinada simplesmente por ser heterossexual… E aí têm a justificação para possíveis paradas hetero: nenhuma.

Ora, se continuarmos a potenciar discurso de ódio por meras características intrínsecas ao ser humano — nacionalidade, identidade de género, orientação sexual, cor de pele, religião, capacidade económica, origem geográfica — deixaremos de ter humanidade e passaremos a ter crimes de ódio e rixas entre grupos.

Assim sendo, saber a fronteira entre liberdade de expressão e discurso de ódio e instituí-la, não é uma questão de censura, mas sim de saber respeitar a diversidade dos seres humanos. A integração cultural tem de ser feita dos dois lados, tem de haver um interesse em perceber, por muito que não seja uma realidade próxima. Não só isso faz com que a nossa noção de mundo seja maior, como criamos laços entre comunidades indispensáveis à equidade de tratamento para todas as pessoas.