No final de cada mês, desta vez mais em Outubro do que em Setembro, respondo a uma seleção das perguntas colocadas pelas pessoas que me seguem no Instagram. Neste mês temos como tema “Saúde Mental”, não estivéssemos nós no arranque de mais um ano letivo.
As respostas dadas têm em conta o contexto a que tive acesso e refletem a minha opinião atual e vivências. Para dar um contexto pessoal, há uns anos debati-me com uma depressão. Fiz alguns anos de terapia, tive alta, estive vários anos sem sentir que precisava de voltar, até que a minha vida tomou um perfil mais público ao mesmo tempo que decidi abraçar quem eu realmente sou. Fui diagnosticada com ansiedade e estou a ser seguida por uma psicóloga e por um psiquiatra. Assim, as perguntas e as respostas serão dadas a partir desta minha perspetiva de pessoa que está a passar continuamente por um processo de auto-descoberta e de adaptação à aceitação, ou melhor, à não aceitação da diferença, sentida na sociedade em geral e até com os pais.
Cansada de ainda existir pessoal da minha idade que desvaloriza depressão e ansiedade.
A depressão e a ansiedade não criam feridas expostas no corpo, por isso, é comum serem desvalorizadas. O trabalho emocional de sair de uma depressão ou de lidar com a ansiedade é muito duro, mas também vale muito a pena.
Como a maior parte das vezes a depressão e a ansiedade são silenciosas e funcionais (nem que seja temporariamente), as pessoas tendem a desvalorizar. Como há tanta gente a debater-se com depressão e ansiedade, pode haver, infelizmente, uma tendência para desvalorizar, como se fosse uma base de ação generalizada para toda a gente. Não é.
Apesar de já existir uma maior abertura, continuo a sentir muito estigma por parte daqueles que nos são mais próximos.
Muitas vezes, sim, acontece. Quando estava com depressão, a minha mãe ficou muito confusa. Disse-me “não percebo, não te falta nada”. Mas faltava, ela é que não sabia, nem eu muito bem. Foi preciso desbravar muito terreno. Pode ser muito difícil alguém próximo ver-te a crescer ou a evoluir de forma inesperada para ele/a, especialmente se envolver uma depressão ou um transtorno de ansiedade. Outras vezes, pode-nos ser complicado sermos totalmente honestas com alguém que nos é próximo/a.
Dito isto, a maior parte das vezes, a ajuda das pessoas que nos são mais próximas — embora um importante apoio — não basta, nem deve recair nelas a pressão toda de ficarmos melhor. Mãe não é psicóloga. Namorada não é psicóloga. Pai não é psicólogo (...). Há coisas que não é suposto um familiar ou amigo ouvir, mas antes um profissional de saúde.
Lidar com a solidão e disfarçar isso todos os dias é tramado.
Antes demais, é preciso perceber: disfarças de quem? E porquê? Se disfarças todos os dias, a solidão vai-te apanhar. Não é natural para o ser humano viver em solidão. Uma coisa é precisares de momentos sozinha, outra coisa é sentires-te solitária.
Não precisa de haver uma relação amorosa na tua vida para deixares de te sentir solitária. No entanto, não há mal nenhum procurar ou querer uma.
Combina coisas com amigas. Na falta de amizades ou na indisponibilidade destas, vai a eventos de assuntos que te interessam e inscreve-te em workshops, para conviveres com pessoas com gostos semelhantes aos teus.
Quando é a altura certa para sair da terapia?
Normalmente, é a/o terapeuta que te dá alta. No entanto, pode haver necessidade de um cuidado continuado. Ainda, podes sentir que aquela/e terapeuta já não te está a conseguir ajudar no que precisas, embora ainda sintas que tens questões por resolver. Neste caso, deves falar com o/a profissional de saúde e pedir uma recomendação ou, então, procurares tu outra pessoa mais indicada. Um/a bom/a terapeuta quando sente que já não te consegue ajudar mais, ou que se aperceber de que os teus problemas passaram a ser de outra área que não a da sua especialização, pode-te recomendar outro/a profissional, por iniciativa própria.
Sobre deixar por completo a terapia, acima de tudo, depende do que tu sentes (e da tua carteira). No entanto, tem cuidado ao tomares tal decisão. Recomendaria, até, que a debatesses com a tua/o teu própria/o terapeuta.
Não tenho condições financeiras. Estou há mais de um ano a aguardar consulta de psicologia no hospital público.
Infelizmente, ir a consultas de psicologia é um privilégio económico enorme. O SNS não ajuda, de todo, nisso, tratando a saúde mental como uma segunda prioridade quando, muitas vezes, salva vidas.
Há uma sobrecarga emocional nas mulheres e altas taxas de sucídio nos homens, devido a não saberem lidar com as suas próprias emoções.
A carga mental da gestão familiar recai maioritariamente nas mulheres, incluindo o encargo de se ser cuidador informal (em 2020, 64% das pessoas cuidadoras informais eram mulheres). Ainda este ano, um estudo revelou que “Dados de inquérito nacional revelam que 83,3% dos cuidadores informais sentiram-se em estado de 'burnout' e 77,9% reconhecem que precisam de apoio psicológico. Menos de metade destes procura e usufrui desta ajuda.”
Se por um lado a sobrecarga emocional é maior nas mulheres, por outro, a taxa mais alta de suicídio é dos homens. Escrevi sobre isso num artigo, intitulado “Machismo: também a causa de morte de muitos homens”.
Deixarmos de nos identificar com amigos de há muitos anos, ser difícil socializar/não querer.
Nós não somos a mesma pessoa com a mesma opinião ao longo da vida. Há amizades que sobrevivem e até evoluem com o tempo, outras que já não fazem sentido com as nossas mudanças. Há que saber distinguir as amizades que nos fazem bem daquelas que nos fazem mal ou já não fazem sentido. Mesmo assim, há amizades antigas que continuam a ser boas, por muito que já não tenham muito em comum. Pode ser uma forma de saíres da tua zona de conforto e teres acesso a diferentes opiniões.
Ataques de pânico e pensamentos intrusivos 24/7, sentimento de que nunca vai melhorar. Como lidar?
Lamento que estejas a passar por tudo isso. A forma de lidar é mesmo com terapia e, provavelmente, medicação. Costou-me muito aceitar que tinha de tomar medicação, mas ela existe para quando é precisa. Se precisas, toma. Acima de tudo, deves ser ouvida e não só medicada. É uma m*rda (não há outra palavra) como a saúde mental não é devidamente apoiada pelo Estado.
Como ilustradora/cronista/etc sentes que deves (ou podes, até) tocar em experiências que sejam de alguma maneira relatable para ti; ou que deves falar de tudo? Isto porque acho sempre interessante como pessoas que fazem o que tu fazes lidam com o balanço entre autoridade/credibilidade para falar destas coisas com toda a questão de inclusividade e que problemas humanos são de todos.
Acho muito perigoso falar-se de algo que não se conhece ou não se tem informção de fonte segura sobre o assunto. Há uns tempos, houve uma (quase) polémica online, porque estavam a criticar influencers de lifestyle por não serem vocais sobre questões sociais, embora tenham muitos seguidores. Na altura achei isso muito curioso. Por um lado, sim, têm ali uma plataforma de pessoas que as seguem, mas por outro não é o tema de trabalho delas. Ninguém vai ao bar do cinema comprar farinha; ninguém dos media vai procurar especificamente Marisa Matias para saber qual é a receita favorita dela de tarte de maçã. Então, porque haveremos de estar a exigir a uma influencer de lifestyle ou maquilhagem que fale sobre a disparidade salarial entre géneros, por exemplo? Claro que seria ótimo se conseguirem aliar o seu trabalho a causas sociais, mas também é mais do que aceitável separar as águas.
Assim, falo de saúde mental porque eu própria estou numa viagem contínua de melhorar a minha saúde mental: a minha autovalorização, o que me faz sentir bem, os meus limites, a minha forma de me relacionar com outras pessoas, a minha relação com o sentimento de culpa. Só não falo mais, porque demasiada exposição também não me faz sentir confortável. Aos poucos, tenho conseguido equilibrar o que é positivo de partilhar vs. os assuntos sobre os quais estou confortável em partilhar.
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Houve perguntas que não incluí por não ter formação nem experiência pessoal para lhes dar resposta, especialmente sobre bipolaridade e borderline. Para estas questões, por favor, contactem um/a médico/a especialista na área.
Deixo mais uma nota: um/a psicólogo/a ideal para uma pessoa, não o é necessariamente para outra. Há quem descubra a sua psicóloga à primeira, eu descobri à segunda tentativa. Acima de tudo, não há muita gente que consiga pagar do seu próprio bolso consultas regulares com a/o psicóloga/o. Se tiverem essa possibilidade, podem falar com pessoas que conheçam que estejam a passar por questões semelhantes, ou ir ao site das clínicas e hospitais privados e ver as especialidades de cada profissional de saúde na área da psicologia. Foi isso que fiz, escolhendo uma psicóloga especialista em transtornos de ansiedade. Por fim, pode haver gente que não esteja confortável em partilhar quem é o seu/a sua psicólogo/a, e isso é mais do que ok.