Na passada sexta-feira, passou na RTP1 o episódio do programa “Nunca é tarde”, de Diana Duarte, focado em identidade de género e orientações sexuais. Eu fui uma das convidadas, já que sexualmente e afetivamente atraio-me por pessoas específicas, sem olhar a género nem genitais.
Nas redes sociais, surgiram pequenos excertos oficiais do programa, em formato de reel. Num deles, eu digo que ainda há muito preconceito contra as pessoas não binárias; que continua a haver, também, muito preconceito contra as pessoas bissexuais, porque são consideradas ‘indecisas’; para além, claro, de haver homofobia generalizada, especialmente na rua (e nas redes sociais), com a típica frase “podem fazer o que quiserem, mas na casa deles”. E termino com “e é ao contrário: se as pessoas estão incomodadas com o nosso [pessoas em relações homossexuais] afeto na rua, que vão elas para casa.” Porquê? Porque o problema não é nosso. Se um casal hetero pode dar um beijo na rua (no nosso contexto geopolítico), um casal homossexual também.
Ora, aqui ficam alguns dos muitos comentários de ódio recebidos ao vídeo em questão:
Para além dos comentários contrariarem o direito à liberdade de expressão de afeto homossexual nas ruas, muitos definem a homossexualdiade como sendo doença e de como não deve ‘ser incentivada’. Ora, será a homossexualidade uma escolha? Alguém acorda e pensa: “ah, hoje vou ser bissexual”? Não. Chama-se ‘orientação sexual’ e não ‘escolha’ ou ‘opção sexual’, como escreve Ruth Manus.
No meu caso, visto que me atraio por pessoas específicas, sejam homens, mulheres ou pessoas não binárias, poderiam perguntar-me: “mas então se te sentes atraída ‘também por homens’, porque não escolhes um homem? A tua vida seria muito mais fácil.” A verdade é que quando eu tive a minha primeira grande atração por uma mulher, lembro-me de pensar “a minha vida seria muito mais fácil se eu não fizesse nada em relação a isto”.
Porquê? Porque nunca teria ouvido comentários como “isso é porque nunca tiveste um homem que te f*desse a sério”, “será algo por resolver psicologicamente?”, “quem é o homem da relação?”, “como vai ser para apresentar à família?” e o derradeiro “eu amo-te, ‘apesar de’”. No entanto, eu sabia que tinha de viver o meu ‘eu’ no seu todo, tinha de ser verdadeira comigo. Tem sido um caminho mesmo bonito. Não me arrependo nem por uma fração segundo de me ter abraçado verdadeiramente. Pelo contrário, fico mesmo triste que haja pessoas que, por medo, ou pelo contexto geopolítico em que se inserem, se privam de viver a sua vida em pleno. O caminho mais fácil quase nunca é o mais bonito e recompensador.
A orientação sexual é apenas mais uma característica da pessoa. A identidade de género é só mais uma característica da pessoa. Não são distúrbios, não são doenças e não são escolhas. Enquanto houver esta homofobia, torna-se ainda mais necessário haver orgulho em ser LGBTQ+, para contrariar todo este ódio, que muitas vezes se traduz em comentários homofóbicos, transfóbicos, perseguições e até assassinatos. Enquanto for motivo para preconceito, será necessário ter este orgulho com visibilidade.
Dentro deste contexto, também já ouvi “aceito, mas não gosto”. Por muito que este possa ser um primeiro passo na aceitação, continua a ter muito preconceito à mistura. Não gosta, deixe-se estar e não olhe. Um casal homossexual tem o mesmo direito de demonstrar afeto na rua que um casal heterossexual. Atente-se que não estou a falar de fazer sexo na via pública — nem sequer é isso que digo no programa, mas as pessoas gostam sempre de transformar o que eu digo noutra coisa —, mas de abraços, carinhos, beijos. Amor é amor, afeto é afeto.
Dito isto, um abraço enorme para todas as pessoas que foram rejeitadas pelos seus próprios pais e mães por serem homossexuais, trans, pessoas não binárias. E outro abraço para aquelas/es que não foram rejeitadas/os/es, mas tiveram de ouvir “eu amo-te ‘apesar de’”, como se ser homossexual ou trans fosse um defeito. Para pais e mães que não aceitam bem os seus filhos/as/es LGBTQ+: se os vossos filhos/as/es podem precisar de terapia para lidar com o ódio da sociedade e as implicações que isso tem na sua auto-validação, também vocês pais e mães podem precisar de terapia para lidarem sem preconceito com os vossos filhos/as/es. A não aceitação da família é um dos principais motivos para a alta taxa de suicídio (e tentativas de suicídio) de jovens LGBTQ+.
“Os jovens homossexuais ou bissexuais têm uma probabilidade três vezes maior de suicidar-se nalguma altura da sua vida, uma possibilidade que aumenta quando a família não aceita a sua orientação sexual” (Notícia no Expresso, 2021).
Ser homossexual não é um defeito, não se pega, não é uma doença por tratar: é, meramente, uma orientação sexual. Espero ansiosamente pelo dia em que não seja um assunto relevante de discussão, mas apenas considerado socialmente mais um dado sobre alguém.
Bibliografia recomendada:
Guia Prático Antimachismo, de Ruth Manus, publicado pela Cultura.
Vou deixar aqui uma definição muito geral da distinção entre sexo biológico, identidade de género e orientação sexual, da autoria de Ruth Manus, para quem não teve a oportunidade de ler noutros locais:
“Sexo biológico não se confunde com identidade de género que, por sua vez, é uma coisa completamente diferente de orientação sexual. Vamos lá. O sexo biológico está atrelado a certas características físicas — mais especificamente genitais. A identidade de género tem que ver com a relação da pessoa com ela mesma, com o seu corpo e as suas ideias, com a forma como se apresenta ao mundo e como quer que os outros a entendam. A orientação sexual tem que ver com a atração física, emocional e romântica que se tem por outros.” (pp. 75-76)
Mais informação para Pais e Mães com filhos/as/es LGBTQ+:
Para Pais e Mães, recomendo visitarem a plataforma da associação AMPLOS, uma Associação de Mães e Pais pela Liberdade de Orientação Sexual e Identidade de Género, que disponibiliza informação e apoio.