Na última segunda de cada mês, respondo a uma seleção das perguntas colocadas pelas pessoas que me seguem no Instagram. Neste mês de julho, temos como tema “Aceitação Corporal”, não estivéssemos nós no Verão.
As respostas dadas têm em conta o contexto a que tive acesso e refletem a minha opinião atual.
Já há algum tempo que se fala de Body Positivity: amares o teu corpo como ele é. No entanto, defendo que essa não é uma perspetiva realista, ou seja, eu não ‘TENHO DE’ amar as minhas estrias, as minhas marcas de foliculite, a borbulha que me apareceu no meio da testa, etc. Posso, sim, desconstruir o que é o meu valor como pessoa e o valor do meu corpo e aceitar que o meu corpo não é perfeito, que tem as suas imperfeições e não deixar que isso seja um impedimento para a minha auto-valorização. Claro que tudo isto é um processo. A esta diferente definição de aceitação corporal chama-se “Body Neutrality” ou Neutralidade Corporal. O nome em si importa pouco, a sua definição importa mais. Catarina Corujo aborda imenso o tema no seu perfil de instagram, que deixo aqui.
Claro que isto não impede que se queira fazer alguma intervenção estética, mas é preciso perceber a origem desse desejo, se é emocional, se é algo que realmente interfere com a nossa auto-estima. Muda-se o corpo quando se pinta o cabelo, ou se faz uma tatuagem. Vejo as intervenções estéticas dessa forma, com peso e medida, claro, em termos de consequência de saúde: não devemos arriscar uma necrose só porque queremos fazer mais uma rinoplastia. Eu própria quis fazer uma operação plástica às orelhas quando andava no Ensino Secundário, e fiz, porque nasci com as orelhas abertas, sem dobrinha atrás e muito afastadas da cabeça, para além de diferentes uma da outra no seu ângulo de abertura. Eu tentei amar as minhas orelhas como elas eram, até porque acho carismático quando vejo noutras pessoas, mas em mim fazia-me muita confusão. Cheguei a andar de rabo de cavalo com elas à vista, a tentar mesmo gostar delas, mas não dava, ao ponto de começar a sentir ansiedade quando o vento me dava na cara, porque me iria revelar as orelhas ao mundo. Atente-se que nunca fui vítima de bullying em relação a isto e nunca me foi imposta uma pressão para fazer a intervenção por ninguém. Se alguém que me está a ler pensa em fazer intervenção nas orelhas, contacte uma cirurgiã ou cirurgião com muita prática nesta zona, pois é uma zona sensível de cartilagem.
Agora, passemos para as perguntas.
Porque será que a indústria da moda continua a não se adaptar a todos os tipos de corpo?
Antigamente, se querias uma roupa nova tinhas de ir à costureira, modista, alfaiate. Com a revolução de fabricação de peças em massa na moda, passaram a ser usadas medidas por defeito, que não se adaptam a todos os corpos. Há, também, a limitação de tamanhos, muitas vezes, com modelos muito diferentes, que podem dar a entender que há roupa “mais apropriada”, como quem diz, mais tapada, para pessoas com mais peso.
Para a primeira questão, realço que, infelizmente, é um privilégio económico poder mandar fazer roupa, ou comprar a peça e pagar o arranjo. (As lojas mais acessíveis não têm este serviço gratuito). Poderia entrar, também, aqui, na questão da Fast Fashion: por muito que tenha graves, muito graves, problemas de sustentabilidade, continuam a ser as lojas que têm maior variedade de tamanhos.
Quanto à segunda questão, sobre roupa “mais apropriada” para um peso ou outro, honestamente, deixem de comentar o peso de alguém, sem que esse assunto seja trazido à baila pela própria pessoa e que esta peça diretamente alguma opinião. Ainda, ninguém é detentora do bom gosto supremo. Acha que aquela saia não é apropriada para o corpo dela? Olhe, se calhar ela não gosta das suas calças também. Cada pessoa que viva a sua vida e o seu corpo com liberdade. Uma pessoa considerada acima do peso que use um top decotado, está no seu direito de usar o top decotado. Era só o que mais faltava, haver agora polícias da decência.
Eu sinto-me confortável e bem com o meu corpo, mas o meu namorado não. Sente-se desconfortável na intimidade, nem se sente bem despido perto de mim. O que posso fazer para o deixar mais confortável comigo? Como o posso ajudar neste processo de aceitação corporal sem parecer intromissão?
Esta situação é sensível e acho boa ideia que o teu namorado tenha algum acompanhamento psicológico, com alguém imparcial, uma psicóloga ou psicólogo.
Da tua parte, se há nitidamente esse desconforto, podes conversar com ele sobre o que ele sente, o que o incomoda e porquê, quais são as inseguranças dele. Ouvir, sem julgamento, sem procurar dar soluções, nem desvalorizar o que ele te diz. Ouvir, pura e simplesmente.
Faz, também, por elogiar o corpo dele, de forma honesta, o que gostas, conforme vejas, sem ser forçado. É um processo que pode ser muito complicado. Só o facto de te mostrares preocupado e quereres ajudar, já é um ótimo princípio!
Sinto que ainda se fala muito pouco sobre pelos nas mulheres e ainda há pouca representação.
Digam-me um anúncio em billboards, em revistas de moda, ou na televisão que mostrem nitidamente pêlos nos braços de mulheres. Quer-se a mulher um golfinho, quando o natural é ter pêlo. Quando atingimos a puberdade, o nosso corpo produz mais pêlo, que funcionam como barreiras de proteção. Não ter pêlo naturalmente é uma condição e chama-se alopecia.
Claro que estamos no direito de tirar o nosso pelo, mas não devia ser considerado falta de higiene ou inestético ver uma mulher com pelo. É NATURAL TER PELO.
Muitas vezes, é pedido às mulheres, não só na sociedade no geral, mas também em empregos de atendimento presencial, um código de apresentação física de vários passos, desde penteados a maquilhagem, que incluem gastos maiores, comparando com homens, e aos homens só lhes é pedido que “pareçam limpos”, quando as mulheres ganham menos, ou o mesmo. Elas têm gastos extra em depilação, cremes, maquilhagem, soutiens, produtos capilares, se querem ser consideradas “bem cuidadas” pela sociedade, mas não ganham mais para comportar esses gastos. Já que é para viver numa sociedade misógina, que pelo menos comportem os gastos! (Isto é uma piada irónica, mas com o seu quê.)
Como aprender a amar o corpo que mudou com a menopausa, com aumento de peso?
Pouco se fala abertamente sobre menopausa, sobre fazer ou não terapia de substituição, tomar suplementos ou não, e se sim quais e em que casos, e as mudanças corporais que se dão. Encontrar representatividade ajuda sempre, por isso, procura conversar com amigas e, ou, familiares a passar pelo mesmo processo. Partilhem vivências, dicas, porque a comunidade é mesmo importante.
Podes, ainda, procurar ajuda médica, tanto psicológica, como para perceber (se ainda não o fizeste) se o aumento de peso é só da menopausa, ou se está relacionado com mais alguma condicionante, como alterações na tiróide.
Querem que tenhamos [as mulheres] filhos e que tenhamos corpinhos de 18 anos para sempre.
Aqui entre migas, eu nem queria o meu “corpinho” de 18 anos. Era tão, tão, mais insegura, preocupada com o que as outras pessoas pensavam, do que hoje em dia, mais de 10 anos passados.
As pessoas na generalidade exigem às mulheres uma aparência jovem, porque se parecem a idade que têm estão “acabadas” ou “descuidadas”. Existe a expressão “sexy gray” para homens que têm cabelo branco, mas nas mulheres é maioritariamente visto como descuido, falta de atenção na sua apresentação. Ainda, há aquela expressão de que “os homens envelhecem como vinho e as mulheres envelhecem como leite”, como se ficassem estragadas com a idade, ou se o seu valor estivesse interligado com a sua aparência e fertilidade. Haja noção.
Ser mãe ainda é visto como o epítome da experiência de ser mulher (cis). Pois bem, as mulheres não são as incubadoras do país. As mulheres não devem netos ao pais, nem novos contribuintes ao país. Só por terem um útero, não são obrigadas a quererem ser mães. Assim como um homem (cis) só por ter pénis não quer dizer que queira sexo a toda a hora.
Tenho o peito pequeno. Aceitação corporal ou intervenção pela confiança pessoa?
Não te posso dar uma resposta, só mesmo tu! Se conseguires aprender a aceitar e até gostar do teu corpo como é, perfeito. Se te incomodar mesmo, estás no teu direito de fazer a intervenção. Como expliquei na introdução, eu própria fiz uma intervenção estética nas orelhas.
No teu caso, aconselho-te a falares como pessoas que também o fizeram, porque a recuperação é mesmo chata. Também há questões de possíveis manutenções e taxas de sucesso (sem rejeição do corpo). Se decidires fazer, procura uma cirurgiã ou cirurgião especialista em aumento de peito, que se saiba informar sobre as diferentes abordagens disponíveis atualmente.
Além disso, e acima de tudo, se decidires mudar algo no teu corpo, muda porque tu queres e não por causa de comentários de outras pessoas ou inseguranças que te foram impostas por alguém.
Infelizmente, tive muitas mulheres contra mim por querer a minha cara de volta [esta seguidora, que eu também sigo, teve um tumor na cara]. Fiquei sem dentes na arcada superior e cicatrizes e diziam-me que “estava bem assim”. E ainda hoje levo com hate por querer uma melhor versão de mim mesma.
Ora aqui está um exemplo de positividade tóxica. Nitidamente estão a desvalorizar os teus sentimentos, o teu bem-estar, a boa funcionalidade do teu corpo. Pode não ser com má intenção, mas acaba por ser mais um entrave na tua recuperação contínua para viveres melhor contigo.
As pessoas vão ter sempre algo a dizer e muitas vezes vão-te querer oferecer soluções segundo o ponto de vista delas, que não lhes foram pedidas, quando tu só querias o apoio delas.
Tens feito um caminho incrível de recuperação e de amor-próprio. Não te posso dizer “não ligues a essas pessoas”, porque ouve-se sempre, por muito que se saiba que se está a fazer o caminho certo. É o teu caminho. O teu. Não vais meter o bedelho na vida delas, elas não têm o direito de meter o bedelho na tua vida, quanto mais quando se tratam de intervenções que impactam diretamente a tua qualidade de vida.