São 12 as medidas que o Governo lançou para combater a crise habitacional, mas apenas uma, e não em exclusividade, é direcionada aos jovens, parte da população que mais dificuldade tem em arrendar casa.
A proposta surge enquadrada no “arrendamento forçado de casas devolutas”, em que a prioridade é dada “a jovens até aos 35 anos, famílias monoparentais e famílias com quebra de rendimentos superior a 20% face aos rendimentos do mês anterior ou do período homólogo do ano anterior”.
Com 35 anos, Vasco Barata, dirigente da Associação Rés do Chão, afirma que “os jovens e os pobres são quem tem maior dificuldade no arrendamento”. Sem “invocar um conflito geracional”, Barata lembra que a medida “já foi testada em Lisboa e conseguiu apenas 200 casas”. O dirigente diz que “os jovens exigem outro tipo de medidas, que não estas propostas que irão fracassar”.
No mesmo sentido vai Paulo Caiado, presidente da Associação Portuguesa das Empresas de Mediação Imobiliária, para quem as propostas “representam uma desvalorização dos ativos imobiliários, num país onde quatro milhões de famílias vivem em casa própria”. E vai trazer “dificuldades acrescidas aos jovens, os mais penalizados no acesso à habitação, quando era mais fácil atribuir apoios diretos para arrendar casa”.
Falta ainda a listagem dos prédios devolutos. O próprio Estado tem quatro prédios na Figueira da Foz, junto ao Parque das Abadias. São 96 apartamentos vazios, abandonados há 15 anos, sem uso. E pelo país há mais exemplos.
Mas, no programa, o Governo determina que, assim que se identifique uma casa devoluta, o Estado irá propor, “em primeiro lugar, que o proprietário possa celebrar livremente um contrato de arrendamento com o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU)”.
Caso o proprietário não queira arrendar ao Estado, “será dado um prazo formal para dar uso ao imóvel”. Só findo este prazo, cuja duração o Governo não esclarece, “é que o Estado pode arrendar o imóvel de forma obrigatória, considerando o interesse público e o dever de utilização do imóvel pelo proprietário” em benefício da “função social da habitação”.
Serão o IHRU e a Estamo, a empresa pública que reúne o património imobiliário do Estado, a intervir no processo.
O IHRU será o arrendatário, garantindo o pagamento das rendas. Já a Estamo irá identificar os imóveis devolutos. Segue-se o sorteio dos candidatos, para posterior atribuição dos imóveis, em regime de subarrendamento.
O valor do arrendamento “não pode ser superior em 30% aos limites gerais do preço de renda, por tipologia e concelho de localização do imóvel, aplicáveis ao Programa de Apoio ao Arrendamento”.
Os contratos têm, em regra, a duração mínima de cinco anos, renováveis por igual período, salvo oposição expressa de qualquer uma das partes. No entanto, as partes podem estipular uma menor duração, “nunca inferior a três anos”.
Terão prioridade “jovens até aos 35 anos, famílias monoparentais e famílias com quebra de rendimentos superior a 20% face aos rendimentos do mês anterior ou do período homólogo do ano anterior”.
Para aceder a esta modalidade são elegíveis “os agregados de uma pessoa cujo rendimento anual bruto máximo seja igual ou inferior ao 6º escalão do IRS”, que para 2023 corresponde a €38.632 de rendimento anual; os agregados de duas pessoas cujo rendimento anual bruto máximo seja igual ou inferior ao 6º escalão do IRS, acrescido de €10 mil, ou seja, €48.632.
Podem ainda ser eleitos agregados de mais de duas pessoas cujo rendimento anual bruto máximo atinja €48.632, com uma bonificação de €5 mil por cada pessoa adicional.
No programa Mais Habitação, o Governo garante disponibilizar os imóveis e terrenos do Estado, em regime de Contrato de Desenvolvimento para Habitação, por um período máximo de 90 anos, para construção, reconversão ou reabilitação de imóveis para arrendamento acessível.
O Governo propõe uma linha de crédito, com garantia mútua e bonificação da taxa de juro, para projetos na área da habitação acessível, nomeadamente para construção ou reabilitação, incluindo aquisição do imóvel necessária e posterior arrendamento, no montante global máximo de €250 milhões.
Financiamento pelo Banco de Fomento
O financiamento cabe ao Banco Português de Fomento e é acessível a cooperativas e sociedades comerciais que se dediquem à construção civil, em consórcio ou sob outra forma de associação com sociedades comerciais “cujo objeto social inclua o arrendamento para habitação e a gestão de património”.
Estas casas terão de estar arrendadas por 25 anos, podendo no final, sem prejuízo de ser “fixado prazo maior no contrato de arrendamento”, ser vendidas. Municípios e IHRU “têm direito de preferência na aquisição”, que será feita “com a legislação aplicável à promoção de habitações a custos controlados”.
Ana Cordeiro Santos, investigadora do Centro de Estudos Sociais, defende que este montante “é pouco para as necessidades, apesar de o sector cooperativo ter maior aptidão para rendas controladas e poder dar um bom contributo, tal como fez na década de 80”.
No combate ao arrendamento informal, a comunicação da existência de um contrato de arrendamento passa a poder ser feita pelo inquilino, nos casos em que não seja feita pelo senhorio no prazo legal.
Outra das propostas é a redução fiscal no pagamento da taxa liberatória para contratos de arrendamento habitacional de longa duração. Até cinco anos, passam a pagar 25%, sendo 15% a taxa para contratos até dez anos e 10% até 20. A partir daqui, a taxa liberatória é de 5%.
No arrendamento, as famílias com taxas de esforço elevadas, e contratos celebrados até 2022, recebem um apoio.
São elegíveis os agregados com taxas de esforço superiores a 35%, até ao 6º escalão de rendimento e que vivam numa habitação adequada, entre o T2 para uma ou duas pessoas e o T5 para agregados com mais de sete pessoas.
O apoio, com limite máximo de €200, é concedido por períodos de 12 meses, podendo ser renovado até ao limite de 60 meses, sendo reduzido ao longo do período. Nos primeiros 12 meses exige 35% da taxa de esforço, 40% entre 13 e 36 meses e 45% nos últimos dois anos.
Para os contratos anteriores a 1990, e que continuam com as rendas congeladas, o Governo propõe a isenção do IMI e dos rendimentos prediais obtidos.
Sousa Silva, presidente da Câmara de Mafra, lembra que este constrangimento “impede a entrada no mercado de mais casas, sobretudo as que precisam de reabilitação”.
João Pinheiro da Silva, sócio de imobiliário na sociedade de advogados CMS Portugal, alerta para os “sinais contraditórios” que o pacote de medidas dá ao mercado. “No Orçamento do Estado para 2023, o Governo passou a exigir apenas o pagamento de duas rendas antecipadas e uma caução idêntica.” O que, sustenta o advogado, “não dá segurança a investidores e proprietários para optarem pelo arrendamento”.
Por fim, o Governo assume “ajudar famílias que venham a ter alguma situação de maior vulnerabilidade durante o contrato de arrendamento”, com um subsídio mensal e calculado em função dos rendimentos e do número de pessoas que compõem o agregado, bem como da localização do imóvel.
O apoio funcionará em condições iguais às do Porta 65 Jovem, pelo prazo máximo de 60 meses, utilizando a mesma plataforma e os mesmos prazos de candidatura.