Sistema financeiro

"Temos de ser teimosos, mais teimosos que a inflação": presidente do banco central da Alemanha admite mais subidas nos juros

Joachim Nagel, presidente do Bundesbank, diz que ainda é cedo para tirar novas subidas das taxas de juro do baralho. Tudo depende dos dados económicos que sairão em setembro, defendeu em entrevista à Bloomberg no simpósio de Jackson Hole. Contudo, frisa que “ainda há margem para agir”.

Joachim Nagel, presidente do Bundesbank, o banco central alemão
BIS

As diferenças de opinião entre os membros do conselho do Banco Central Europeu (BCE) em relação ao futuro de curto-prazo da taxa diretora são notórias. E, para o presidente do Bundesbank, o banco central da Alemanha, é preciso haver ainda mais contração na política monetária da zona euro. Ainda é muito cedo para pensar em pausar o ciclo de subidas das taxas de juro, disse Joachim Nagel em entrevista à Bloomberg.

Numa conversa com o canal de notícias financeiras em Jackson Hole, onde decorre o encontro de banqueiros centrais promovido pela Reserva Federal (Fed) dos Estados Unidos, Nagel disse que “é muito cedo para pensar numa pausa, temos de esperar pelos próximos números" em setembro, para que os responsáveis do BCE possam decidir na reunião do próximo mês que caminho tomar. Mas, frisou, “ainda há margem para agir”.

A justificação para esta disponibilidade para mais subidas está nos dados mais recentes da inflação na zona euro, calculada nos 5,3% em julho. Ainda bem acima da meta indicativa de médio-prazo de uma taxa de inflação de 2%.

E na inflação subjacente (que mede o ritmo de subida dos preços excluindo energia, bens alimentares, álcool e tabaco, por serem de preço volátil; e que visa refletir a evolução de médio-prazo da inflação), nos 5,5% em julho, “ainda há rigidez”.

“Há o entendimento de que a inflação está a descer (…) mas devemos esperar pelos números de setembro” e depois decidir o que fazer, disse. Mas ressalvou que "o que prevejo é que a maioria dos efeitos vê-los-emos no próximo ano em relação ao que fizemos nos últimos 12 meses”.

“Parece haver uma semelhança do mercado de trabalho europeu com a dos EUA. É uma situação bastante boa no mercado de trabalho, mas a atividade económica está a abrandar, o que não é uma surpresa. Quando subimos as taxas de juro nove vezes, é óbvio que há um impacto”, disse Nagel

"Temos de ser teimosos, ainda mais teimosos do que a inflação, é o nosso mandato, temos de trazer a inflação para os 2%" e é esta a postura do conselho de governadores, vincou.

Esta sexta-feira, Christine Lagarde, presidente do BCE, irá discursar no simpósio de Jackson Hole, e os mercados estarão atentos a quaisquer sinais que possam sugerir para que lado pende a decisão de política monetária de 14 de setembro.

Cautela à espera de dados

Também em entrevista à Bloomberg em Jackson Hole, o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, disse na quinta-feira, referindo-se ao conselho do BCE, que “precisamos de ser cautelosos” mas crê "que fomos comedidos e razoáveis nas nossas decisões". Centeno acrescentou que, tal como Nagel, deve-se esperar pelos dados de setembro para fundamentar a decisão de política monetária desse mês.

"Dependemos dos dados nas nossas decisões. Ainda há muitos dados a serem disponibilizados até à decisão de setembro. Temos uma nova previsão e essa previsão dir-nos-á precisamente como vemos a transmissão das nossas decisões para a inflação e para a economia e decidiremos em setembro", declarou.

Analistas dividem-se em relação ao que Frankfurt fará em setembro, mas a expectativa pende mais para uma pausa no ciclo de subidas por parte do BCE. A acontecer, é encarada pelos mercados como a última no curto-prazo.

A política monetária da zona euro é especialmente desafiante para os decisores do BCE dadas as grandes diferenças entre as economias que compõem o bloco da moeda única. A inflação na Alemanha ficou nos 6,5% em julho, acima da média da zona euro. Há economias com registos bem acima (como a Eslováquia, com 10,3%) e inferiores (o caso do Luxemburgo, com 2%, e de Espanha, com 2,1%). Portugal fechou julho com um índice de preços no consumidor harmonizado de 4,3%.

Nagel defendeu à Bloomberg a ação do BCE nos últimos meses: “Não devemos subestimar o que o conselho de governadores fez até agora. Começámos a subir as taxas de juro em julho do ano passado e fizemos um bom trabalho. As taxas de juro fizeram o que fizeram, reduziram a atividade económica, e a inflação está a descer". É uma evolução "de manual”, disse.

Joachim Nagel, que preside ao banco central de uma economia estagnada, com um crescimento nulo no segundo trimestre depois de contrações nos dois trimestres anteriores, não antevê “um cenário de ”aterragem dura" [hard landing] para a Alemanha. Ainda estou bastante otimista em relação a uma “aterragem suave” [soft landing]"; usando o jargão económico que exprime, respetivamente, uma contração brusca ou ligeira da atividade.

“Fala-se muito da Alemanha como ”o doente da Europa", mas não é verdadeiramente assim. Não devemos subestimar a capacidade de adaptação da economia alemã, estamos a passar por alguns meses complicados, mas não estou muito pessimista", acrescentou.