São necessários 130 milhões de euros para tornar viável o maior hospital português. Em actividade há quase 54 anos, o Hospital de Santa Maria (HSM), em Lisboa, está desfasado da realidade e precisa de um projecto integrado de requalificação dos seus serviços. Desde que tomou posse há dois anos e meio, o actual Conselho de Administração (CA) desta unidade de saúde está a trabalhar num Plano Estratégico que prevê várias novas construções no recinto hospitalar.
Apesar das linhas mestras do projecto estarem prontas há muito - o Expresso deu-as a conhecer em primeira mão em Fevereiro - só agora (hoje) foi lançado o Edifício João Cid dos Santos, que dá início à primeira fase da reestruturação do hospital. Este novo espaço irá albergar blocos operatórios, unidades de cuidados intensivos, consultas externas e hospitais de dia. O Expresso apurou, junto de fonte do hospital, que a razão do atraso se ficou a dever ao facto do Plano Estratégico ter sido entregue à Unidade de Missão das Parcerias na Saúde - inicialmente ponderou-se a hipótese do financiamento passar por um acordo com privados - que o meteu na gaveta durante largos meses.
Afinal são precisos mais 10 milhões
De início, o CA estimou que as obras custariam cerca de 120 milhões de euros, valor a que agora se acrescem 10 milhões. Uma das explicações para esta revisão em alta prende-se com as alterações que estão previstas para rede de abastecimento de energia. A aposta será na co-geração (que permite uma utilização mais eficiente da energia) e a mudança irá custar cerca de 8 milhões de euros. "Actualmente o Santa Maria vive exclusivamente de electricidade, o que é ruinoso. O hospital foi assim concebido numa altura em que o preço da luz era muito barato", explica Correia da Cunha, coordenador do Plano Estratégico e vogal executivo do CA.
Outra alteração é o facto de, no projecto actual, já não estar prevista a construção de um hotel, já que essa sugestão "deu muita polémica". "Havia o risco da sua utilização não ser moralmente a mais adequada, o que seria complicado tendo em conta que além das funções de prestador de cuidados de saúde também albergamos uma instituição de ensino (a Faculdade de Medicina de Lisboa)". Correia da Cunha tem pena que essa ideia tenha sido abandonada pois "o hotel poderia servir para albergar familiares de doentes, bem como pessoas a receber tratamentos em regime de ambulatório que assim têm que ficar internadas".
Além do Edifício João Cid dos Santos - assim denominado em homenagem ao iminente médico, considerado um dos pais da moderna cirurgia arterial -, o Plano Estratégico prevê também intervenções nas unidades de internamento. Outra prioridade são os Departamentos da Criança e da Família, de Ginecologia, Obstetrícia, de Medicina da Reprodução e de Neurociências.
Segundo Correia da Cunha, a necessidade de edificar novas estruturas prende-se com o facto das antigas instalações estarem totalmente desfasadas da realidade. Por exemplo, actualmente as salas destinadas a cirurgias têm que ter dimensões muito maiores já que albergam uma parafrenália de equipamentos, que não existiam há alguns anos. "O hospital tem cerca de 200 mil m2, dos quais apenas 8 mil m2 ficarão, para já, sem utilização", esclarece o membro da Administração. A ideia é que este espaço vago venha a servir de reforço à actividade da Faculdade de Medicina, à criação de um museu do hospital, bem como para albergar uma reserva de internamento "com 20 ou 30 camas que estarão à disposição caso haja uma catástrofe".
Ao fim de largos anos de remendos e de pequenas intervenções de manutenção (ainda proliferam os pré-fabricados), tornou-se "imperiosa uma transformação profunda do hospital", para que este possa responder "com qualidade" às solicitações.
A remodelação será feita faseadamente, uma vez que o hospital não pode parar. "Vamos mudar a roda à bicicleta com ela em movimento"¸ ilustra Correia da Cunha numa metáfora às dificuldade que se avizinham.
Entretanto, o financiamento do projecto já não deverá passar por uma parceria público-privada. A hipótese mais provável é que o capital social do HSM, que se transformou em Entidade Pública Empresarial em Janeiro de 2006, seja utilizado para custear as obras de remodelação. No total, o capital social do HSM ascende "a 133 milhões de euros que ainda estão estão intactos, avança Correia da Cunha. "É perfeitamente legal e desejável que este dinheiro não fique imobilizado", salienta o médico, acrescentando que "o que não faria sentido nenhum era utilizar essa verba para comprar medicamentos, por exemplo". No entanto, o investimento ainda carece de autorização por parte dos Ministérios da Saúde e das Finanças. "O ideal seria que os concursos públicos para adjudicação das obras fossem lançados até ao final do ano", avança Correia da Cunha.
Questionado quanto à pertinência deste investimento, tendo em conta os novos hospitais que vão ser erguidos em regime de parceria público-privada, Correia da Cunha é peremptório ao afirmar que o HSM é "insubstituível em áreas como a cirurgia cardíaca e em alguns tratamentos oncológicos". Além disso, esta unidade "nunca poderá deixar de receber doentes de clínica geral, uma vez que tem a Faculdade de Medicina". "É óbvio que a tendência será para focarmos mais a nossa actuação em áreas diferenciadoras e diminuir os tratamentos básicos".
Correia de Campos confessa-se
Do lado do Ministério da Saúde, o apoio é "incondicional", nas palavras do ministro da tutela, Correia de Campos, que esteve presente na cerimónia de apresentação da primeira fase do ambicioso plano de transformação do HSM. "O Governo confia no bom caminho traçado para o HSM", disse o governante e sublinhou: "nunca pensei que fosse possível ressuscitar esta instituição". Correia de Campos referiu ainda que o actual Conselho de Administração - presidido por Adalberto Fernandes - percebeu que "este era um momento único" para empreender um projecto deste tipo. O ministro reconheceu que ainda é cedo para garantir o 'nascimento' de um novo HSM, mas fez questão de sublinhar que "já não há descrença nem nos rostos, nem nas vozes das pessoas que dão vida ao hospital".
O governante foi mesmo mais longe e afirmou que são exemplos como o HSM que lhe dão alento para continuar - "alguém se lembra que como eram o corredor das consultas e a entrada do hospital há pouco mais de dois anos?". "Quantas vezes me confronto com a injustiça da vida pública, a falta de tempo para a família e para o meu desenvolvimento pessoal. São estes exemplos que, nos momentos mais difíceis, me fazem acreditar que vale a pena governar. É gratificante".
A ida do ministro da Saúde ao HSM também ficou marcada pela inauguração de um novo acelerador linear no hospital, que agora ficou dotado com três destes aparelhos. "Em breve serão cinco", garantiu Correia de Campos. "O sector privado convencionado pode ter sido pioneiro no investimento nas altas tecnologias, mas hoje o Serviço Nacional de Saúde já disponibiliza os melhores meios de tratamento, sobretudo, na área das doenças oncológicas".