Estas taxas de juro asseguram uma saída limpa?
A decisão sobre o tipo de saída do programa será essencialmente política e caberá ao governo português em parceria com as instituições internacionais. Os vários sinais que têm sido dados apontam para que a opção recaia sobre a saída limpa, até porque é conveniente para vários governos europeus numa altura de eleições. As atuais taxas de juro já são suficientemente baixas para que Portugal possa emitir dívida no mercado e, por isso, arriscar-se na saída limpa. Aliás, o Estado já emitiu dívida mais do que uma vez desde o ano passado a taxas de juro superiores às atuais.
E se os mercados mudarem de humor rapidamente?
Isso é um risco que existe sempre já que, como se sabe, os mercados podem mudar muito rapidamente. Neste momento, a onda é de descida geral dos juros, mas a situação pode mudar em termos de sentimento geral ou mesmo em relação a um único país. Num cenário desse tipo, Portugal poderia ficar novamente fora dos mercados ou, pelo menos, sujeito a taxas de juro elevadas, como já aconteceu antes.
O cautelar funciona como uma proteção para uma situação desse tipo, já que permite ao Estado recorrer a financiamento pré-aprovado do fundo de resgate europeu, caso necessite. Ao mesmo tempo, as subidas dos juros estão limitadas pelo programa OMT do Banco Central Europeu, ao qual os países se podem candidatar caso tenham um programa cautelar.
A saída limpa não tem estas proteções e, em caso de turbulência, Portugal fica por sua conta e risco. No entanto, como tem uma almofada financeira que lhe assegura o financiamento até 2015, tem margem para pedir um cautelar mais à frente, se necessário.
A descida atual dos juros da dívida é exclusiva de Portugal?
Não. Desde o final de fevereiro, o movimento de descida abrange todos os cinco países periféricos da zona euro (Portugal, Espanha, Itália, Grécia e Irlanda). A descida mais significativa regista-se, no entanto, com os juros da dívida portuguesa a 10 anos, que se reduziram em 0,86 pontos percentuais e bateram as quedas em Espanha (0,31), Itália (0,19), Grécia (0,12) e Irlanda (0,12). As taxas da dívida italiana e espanhola a 10 anos estão em mínimos de 2005. No caso da Irlanda, desceram abaixo de 3% e estão em mínimos desde a adesão ao euro. A título de exemplo, a Itália realizou a 28 de março um leilão de dívida a cinco anos, onde pagou uma taxa de remuneração inferior a 1,9%, que é a mais baixa de sempre desde o arranque da moeda única, em 1999.
Porque estão os investidores a comprar dívida de países aparentemente arriscados?
Os investidores internacionais estão a acorrer aos leilões e operações de dívida nos países periféricos e a aceitar taxas de remuneração cada vez mais baixas, reduzindo o custo do financiamento das dívidas públicas dos periféricos sobreendividados, com exceção da Grécia, que só deverá regressar ao mercado no segundo semestre.
O regresso dos investidores ao mercado de capitais europeu resulta da 'fuga' dos mercados emergentes desde a decisão da Reserva Federal dos Estados Unidos em iniciar a redução do programa de estímulos monetários. A Europa proporciona, além disso, boas remunerações com a dívida de alguns países.
Estas cinco economias, algumas consideradas especulativas pelas três principais agências de rating, como são os casos de Portugal e da Grécia, revelam-se altamente rentáveis. Segundo o índice da Bloomberg, que mede os ganhos associados aos juros e às variações de cotação, a rentabilidade anual da dívida grega é de quase 90% e a portuguesa já subiu para mais de 18%. Valores que comparam com um retorno anual médio em todas as dívidas da zona euro de 6,39% e de 0,14% no caso das obrigações alemãs, que são consideradas de refúgio. A rentabilidade para as dívidas dos restantes periféricos varia entre 12% (Irlanda) e 15% (Espanha).
A situação é melhor hoje do que antes do resgate?
É. A descida dos juros da dívida a 10 anos no mercado secundário para níveis próximos ou inferiores a 4% fez recuar, em termos indicativos, o custo do financiamento da dívida portuguesa para dezembro de 2009, muito antes do resgate assinado em maio de 2011. Mesmo em termos reais, ou seja, descontando a inflação, os valores atuais dos juros da dívida a 10 anos são similares aos do final de 2009, em virtude de, nesse período, tal como hoje, a inflação anual ser ligeiramente negativa, ou seja, a economia então e agora vive um período de deflação.
No entanto, se tomarmos em consideração o momento-chave da cimeira informal de Madrid de abril de 2010, em que se decidiu mudar a política orçamental nos periféricos da zona euro, de uma orientação expansionista para a austeridade, e agravar a crise das dívidas soberanas na zona euro, o nível de juros atual, em termos reais, ainda é superior ao de então (3,76% em 16 de abril de 2010 contra 4% hoje).
Ainda assim, o melhor indicador para se realizar uma comparação com a situação anterior ao resgate diz respeito ao prémio de risco da dívida portuguesa, ou seja, a diferença com o custo de financiamento da dívida alemã, que serve de referência. O nível atual do prémio de risco situa-se próximo dos 250 pontos-base (ou seja, 2,5 pontos percentuais de diferença), um valor que se registava em agosto de 2010, muito antes do resgate. O disparo do prémio de risco deu-se após abril de 2010, com um salto de 129 para 420 pontos-base, registados em 10 de novembro quando os juros da dívida a 10 anos ultrapassaram o limiar vermelho dos 7%, e depois para mais de 580 pontos-base aquando do resgate em maio de 2011.
O salto nos juros da dívida portuguesa e no prémio de risco durante o segundo semestre de 2010 e ao longo de todo o ano de 2011 deveu-se ao pânico no mercado da dívida da zona euro, com o risco de saída da Grécia da moeda única e de um processo de contágio nos periféricos. Só começou a ser estancado com a decisão de proceder à reestruturação da dívida grega e com as novas medidas de política monetária, de baixa da taxa de juros e de empréstimos aos bancos, por parte do Banco Central Europeu, já sob a liderança de Mario Draghi, no final desse ano.
Portugal está em melhor condição do que a Irlanda quando esta terminou o programa em dezembro?
Ainda não. A Irlanda, quando realizou a saída limpa do programa da troika, em meados de dezembro, registava juros de 3,5% na dívida a 10 anos no mercado secundário - em termos reais, cerca de 3,2%. Os juros atuais da dívida portuguesa a 10 anos oscilam em torno de 4%, em termos nominais e reais. Há ainda um corredor de descida de cerca de 50 pontos base em termos nominais. É de assinalar, ainda assim, que os juros da dívida portuguesa naquela maturidade já desceram quase 90 pontos-base desde o início do mês de março e cerca de 200 pontos desde o final de 2013.
O melhor termo de comparação é o prémio de risco. A Irlanda saiu do resgate com um spread de 162 pontos base. O prémio de risco atual da dívida portuguesa ronda os 250 pontos base. Faltam 90 pontos base para aquele limiar irlandês, quando resta mês e meio para a conclusão do programa português. Há que assinalar que o prémio de risco da dívida portuguesa já desceu mais de 150 pontos base desde o final de 2013.
Pagar 4% a 10 anos é caro ou barato?
Os juros que Portugal paga anualmente pela sua dívida pública e que representam mais de 7000 milhões de euros por ano (4,4% do PIB) só são afetados pelas taxas do mercado secundário (onde os investidores transacionam os títulos entre si) à medida que o Estado vai fazendo novas emissões.
Neste momento, a taxa média da dívida pública total é de 3,5%. Se o Estado for emitindo nova dívida a um juro superior a este valor, a taxa média tenderá a aumentar e a fatura dos juros engorda. Mas isso implicaria, às atuais taxas, fazer emissões para prazos superiores a oito anos, para os quais as taxas estão neste momento acima daquele patamar. Como o Estado faz normalmente emissões distribuídas pelos diferentes prazos, com as taxas atuais parece haver condições para manter estável a taxa média do stock de dívida pública. O que, aliás, é previsto pela troika para os próximos anos.
Questão diferente é saber se, mesmo não aumentando a taxa média da dívida total, o Estado consegue pagar os juros. Neste caso, a dúvida é sobre a sustentabilidade da dívida. Se a economia crescer a uma taxa nominal idêntica à taxa de juro média, a dívida só aumenta em percentagem do PIB se houver défice primário (sem juros). E a verdade é que, para já, o crescimento do PIB não 'paga' os juros e, por isso, baixar o peso da dívida implica excedentes orçamentais primários. Como, aliás, era sublinhado no famoso prefácio de Cavaco Silva.