A prioridade ao arrendamento, uma taxa de esforço variável, a possibilidade de dedução integral em sede de IRS das rendas suportadas relativas à habitação, ou o estabelecimento de um valor fixo para as comissões de mediação, são algumas das propostas da Sedes - Associação para o Desenvolvimento Económico e Social.
No documento, “Habitação e políticas de habitação para Portugal”, o Observatório de Políticas Económicas da Sedes, faz o diagnóstico da situação da habitação e propõe um conjunto de medidas conjunturais e estruturais para combater o problema.
O estudo considera que se é verdade que até 2022, não havia sinais claros de um problema generalizado de acessibilidade no que diz respeito à compra de habitação própria – em consequência de uma política monetária de características singulares – o mesmo não se pode afirmar relativamente ao mercado do arrendamento” . Na mesma linha de raciocínio, os autores consideram que , com a normalização da política monetária, será provável que o acesso à habitação própria se torne mais problemático.
“Falamos em políticas e não em política. A habitação e o imobiliário influenciam e são influenciados, implicam muitas variáveis”, explica Carlos Tavares, coordenador do Observatório, a propósito do estudo que tem ainda como autores Carlos Alves, Rui Pedras, Ricardo Arroja e Vítor Mendes.
“A taxa de esforço devia ser variável em função dos rendimentos do agregado, e não fixa nos 35%”, afirma. Na prática, o estudo da Sedes, no campo macroprudencial, propõe, por exemplo, a definição de uma taxa de esforço máxima “que seja variável de acordo com os níveis de rendimento e com os encargos calculados com utilização de uma ´Euribor nocional' que reflita uma política monetária 'normal'”. Em relação à à limitação das taxas de esforço, os autores consideram que será necessário assegurar a consistência entre as medidas macroprudenciais e as que se traduzem em apoios públicos. Enquanto o Banco de Portugal “estabelece uma recomendação de não exceder a taxa de esforço de 50%, o Governo entendeu que o excesso de esforço - que implica uma comparticipação pública nos juros, se verifica a partir dos 35%”.
Outra das propostas, aponta para o aumento da entrada inicial por parte dos mutuários “adotando um limite vinculativo e proibindo práticas de o tornear, como a utilização de crédito pessoal para efeito (indireto) de operações imobiliárias”, lê-se no documento. Para a Sedes, a possível menor facilidade do recurso ao endividamento para aquisição de habitação própria terá de ser compensada por medidas que favoreçam a acessibilidade ao mercado do arrendamento.
Eliminar os desincentivos
A nível estrutural e para a aumentar a oferta de habitação a custos comportáveis a Sedes põe a tónica na criação de incentivos e, “sobretudo, na eliminação de desincentivos” ao sector privado para colocação no mercado de imóveis para arrendamento. A eliminar são, por exemplo, os chamados custos de contexto, que vão do atraso nos licenciamentos à carga fiscal que pende sobre a a construção de habitação. Os autores salientam ainda a necessidade de aprofundar a afetação dos imóveis públicos para a habitação. Em paralelo, sugerem que deveria ser concebido e aplicado um programa de apoio à recuperação de imóveis destinados ao arrendamento, por exemplo através do financiamento (total ou parcial) das respetivas obras pelo Estado e/ou pelos Municípios, reembolsável através de uma participação nas rendas futuras.
Segundo a Sedes, há ainda outra via potencial de aumento da oferta de habitação, através da deslocalização de escritórios e serviços administrativos (públicos e privados) que não encontram justificação para estar no centro das grandes cidades, muitas vezes nas zonas mais nobres. Uma deslocalização que pressupõe uma verdadeira política integrada de transportes, que permita mobilidade inter e intra Áreas Metropolitanas.
Fixar comissões de mediação
Quanto ao funcionamento do mercado imobiliário, o estudo da Sedes apresenta propostas como a definição do critério de fixação das comissões cobradas pelos mediadores mobiliários como valor fixo (independente do valor do imóvel) ou, pelo menos, variável com um teto”. Isto porque o atual regime em vigor cria o risco da emergência de conflito de interesses. Os autores argumentam que os mediadores imobiliários são remunerados através de uma comissão que é função do valor da transação, o que cria no mediador o interesse de que a transação se faça pelo valor mais alto possível.
“Além disso, os ganhos decorrentes da mediação da compra e venda de um imóvel serão muito superiores aos que resultam da intermediação da celebração de um contrato de arrendamento, desincentivando-os de procurar soluções de arrendamento para os seus clientes”, lê-se no documento.
Os autores salientam ainda a necessidade de eliminação de todas as formas de congelamento de rendas, passando a ser fixadas em condições de mercado, com um período de transição curto e irreversível e assumindo o Estado os encargos com os apoios aos inquilinos cuja taxa de esforço ultrapasse limites definidos em função de classes de rendimento. No campo do arrendamento, o documento salienta a necessidade de estabelecimento de “regras claras, racionais e estáveis” relativamente a eventuais condicionantes das rendas praticadas, quer na fixação, quer na sua atualização.
A prioridade ao arrendamento
Aliás, em relação ao programa Mais Habitação, que acaba de ser aprovado na Assembleia da República, as principais críticas do estudo referem-se exatamente a questões relacionadas com o arrendamento. Sobretudo no que respeita ao arrendamento forçado e à imposição de um teto de 2% aos novos contratos. Medidas que os autores consideram que não permitem restaurar a confiança no arrendamento, um dos setores que é parte da solução da crise de habitação. “As propostas de congelamento e/ou condicionamento das rendas com base em fórmulas complexas e de racionalidade no mínimo discutível – ainda por cima sucedendo a sistemáticas alterações das “regras do jogo” neste domínio – constituem um fator de desconfiança no mercado do arrendamento e de redução da respetiva oferta”, lê-se no documento.
No entanto, Carlos Tavares acrescenta que “muitas das propostas da Sedes têm fundamentos e diagnósticos semelhantes às do Governo, no programa Mais Habitação. As soluções é que são diferentes”.
O estudo considera que, se é verdade que até 2022 não havia sinais claros de um problema generalizado de acessibilidade no que diz respeito à compra de habitação própria – em consequência de uma política monetária de características singulares –, o mesmo não se pode afirmar relativamente ao mercado do arrendamento” . Na mesma linha de raciocínio, os autores consideram que , com a normalização da política monetária, será provável que o acesso à habitação própria se torne mais problemático.
Alojamento Local: situação não é homogénea
Quanto a Alojamento Local e aos vistos gold, dois outros temas considerados polémicos pela opinião pública, os autores consideram que os objetivos subjacentes às propostas do Mais Habitação se revelam “tendencialmente adequados, mas algumas das medidas propostas têm o risco de provocar efeitos colaterais indesejáveis”.
Em relação ao Alojamento Local, os autores reconhecem que existem evidência empírica e estudos académicos que suportam a tese do papel efetivo do alojamento local – sobretudo depois da sua liberalização em 2013 - na redução da oferta no mercado habitacional de longo prazo e na consequente subida dos preços da habitação. “A situação está longe de ser homogénea no País e, por isso, haverá que conceber, calibrar e parametrizar as respetivas medidas em função das características observadas em cada área geográfica”. Isto numa referência à proibição de novos registos, à Contribuição Especial para o alojamento local (CEAL) , entre outras medidas limitadoras da atividade. Já para o caso dos “vistos gold”, a Sedes alinha com o Governo, considerando que “é um instrumento que não encontra hoje justificação, a menos que seja restringido a novos investimentos de dimensão significativa em empresas geradoras de níveis relevantes de valor acrescentado e emprego”.