Longe vão os tempos em que os spreads (margens de lucro) praticados pela banca funcionavam como um incentivo à compra de habitação e havia campanhas e produtos muito atrativos. Depois de mais de meia hora a fornecer dados e a fazer contas aos balcões de seis dos principais bancos de Portugal, a sensação é de desânimo. O Expresso assumiu o perfil de um casal que pretende comprar uma casa (ver destaque) e visitou vários balcões do BCP, BES, Santander, BPI, Montepio e CGD à procura de crédito à habitação.
Hoje os spreads deram uma volta de 180 graus em relação aos níveis praticados antes de ter estalado a crise financeira e quase nenhum banco empresta a totalidade do crédito. Um dos dados que ainda equilibram os pratos da balança é o baixo nível das taxas de juro (indexadas à Euribor). Mas se começarem a subir, o efeito pode ser devastador.
Em setembro de 2007, os bancos não aplicavam spreads acima de 2,5%, segundo dados da Deco - Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor. Em setembro deste ano, o valor máximo passou para 4,4%, o que representa um aumento de 1,9 pontos percentuais em três anos.
Na simulação feita num balcão do BES em Oeiras, por exemplo, apesar de o spread base ter sido de 4,4%, poderia baixar para 3,9% caso o cliente adquirisse produtos e serviços financeiros, como a domiciliação do vencimento, o seguro da casa, o seguro de vida, duas domiciliações de pagamento, PPR, depósito a prazo, cartão de débito e fundos. Os outros bancos têm a mesma prática: no caso do Montepio, o spread passaria a 3,6%, no Santander a 1,95%, na CGD a 2,4%, no BPI a 2,05% e no BCP a 3,3%.
A informação prestada nas agências bancárias, relativa aos percentuais mínimos e máximos dos spreads, coincide com a que foi enviada ao Expresso pelos bancos (ver quadro). As simulações feitas nos balcões tiveram por base um casal de proponentes, com 40 e 35 anos,um filho, sem conta aberta no banco contactado.
O nobjetivo era comprar uma casa de €200 mil e aproveitar o prazo máximo concedido pelos bancos para o empréstimo (entre os 35 e os 40 anos consoante os limites de idade permitidos por cada banco e que variam entre os 75 e os 80 anos). O casal aufere um rendimento anual bruto de cerca de €50 mil e apenas tem um crédito automóvel, informação que alguns bancos nem pediram nesta fase. Uma simulação mais fina, portanto, obriga à apresentação de mais dados e uma folha limpa, ou seja, sem incidentes no Banco de Portugal e, mesmo assim, não é líquido que o crédito se concretize.
Avaliação é tudo
Fundamental para que o crédito seja aprovado é o valor da avaliação. "O mais importante é saber qual a avaliação do imóvel", dizem os vários funcionários do BPI, BCP, Santander, BES e Montepio. Sem uma boa avaliação, cerca de 20% acima do valor do crédito a conceder, os bancos não estão a emprestar dinheiro. "Ninguém empresta 100% do valor do imóvel", garante uma funcionária de um balcão do Santander em Oeiras.
Antes de avançar com o pedido de avaliação, porém, "convém ter uma noção das avaliações que se estão a praticar na zona onde o imóvel está localizado", alerta, tal como outra funcionária do BPI num balcão em Lisboa. É que tanto a comissão de dossiê como a comissão de avaliação são cobradas, mesmo que o crédito não seja aprovado.
O cliente terá, assim, de pagar €185 (mais imposto de selo) de comissão de abertura de processo e €191,10 (mais imposto de selo) de comissão de avaliação. Isto no Santander Totta. No BES estes valores sobem para €250 e €185, respetivamente. E no Montepio ficam pelos €220 e €135 (ver mais no quadro o que dizem os bancos).
"É a partir da avaliação que se podem fazer contas mais realistas", salientam dois funcionários do BCP e do BPI em Lisboa. É preciso ter em conta a capacidade financeira do casal e a possibilidade de o banco ter protocolo com as empresas onde trabalha. No BPI, por exemplo, a despesa com a avaliação do imóvel é gratuita no caso de haver protocolo.
Também a taxa indexante, utilizada como indicador da evolução do mercado (Euribor), influencia diretamente o valor a pagar por mês. A Euribor a três meses mantém a tendência de subida e fixou-se, hoje, nos 0,959%, enquanto a taxa a seis meses, a mais utilizada nos contratos de crédito à habitação, recuou para 1,19%, a primeira descida desde 23 de Setembro.
Com todas estas condicionantes em conta, e considerando alguns valores meramente indicativos (como uma avaliação favorável e superior ao crédito pedido), as várias simulações resultaram nas seguintes prestações mensais: €931,12 (Montepio), €763,80 (Santander), €1015,38 (BES), €789,54 (CGD), €791,86 (BPI), com uma Euribor a seis meses. No caso do BCP a prestação ascende a €854,42 aplicando a Euribor a três meses, dado que "só funcionamos com esta", disse o bancário.
A estes valores acrescem os custos inerentes à compra, como a escritura, registos e Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), que variam entre os €8 mil e os €10 mil, assim como os seguros obrigatórios, cujas prestações mensais oscilam entre cerca de €50 e €100.
O que perguntar ao balcão
Além dos custos bancários e legais, os clientes devem estar atentos a questões como o custo de amortização antecipada do crédito, que tem uma comissão de 0,5% sobre o capital reembolsado, e a simulação da prestação para subidas de 1% ou 2% na Euribor.
Outra questão que se deve colocar relaciona-se com a possibilidade de os bancos estarem a praticar nos novos contratos de crédito à habitação cláusulas que permitem à instituição bancária alterar o valor do spread, de forma unilateral, se as condições dos mercados o justificarem. O Expresso perguntou aos funcionários dos balcões como é que isso pode suceder. O BES, por exemplo, "pode mexer no spread se o cliente retirar a domiciliação do vencimento", garante a colaboradora que nos recebeu.
Também o Montepio revê o spread em caso de incumprimento. "Se o contrato pressupõe a utilização de cartão de crédito e o cliente decide deixar de o ter, o banco aumenta o spread. E já vi subidas de 3%", avança um funcionário de um balcão em Oeiras daquela instituição.A funcionária do BPI foi perentória: "Alterações no spread não são unilaterais. Só se o cliente deixar por exemplo de ter uma das contas do casal domiciliadas no banco, condição pedida quando se abre o processo de financiamento, ou entrar em incumprimento". No Santander, pode haver uma sobretaxa de mora de 4%, "caso o cliente se atrase no pagamento de mais de três prestações", explica a funcionária. Na quinta-feira, porém, o Montepio, o BES e o BCP já tinham recuado na aplicação destas cláusulas.
Não tenhamos ilusões. Para conseguir um spread abaixo de 2% (à exceção do Santander) é preciso ter muito dinheiro para dar como entrada na aquisição de um imóvel - o valor do financiamento varia entre os 80% e os 90%. Não ter incidentes na banca e ser trabalhador efetivo é outra condição valorizada. Uma leitura mais fina obriga à apresentação de documentação que comprove a capacidade financeira e, sobretudo, o valor entre o financiamento pedido e a avaliação do imóvel (que nestas simulações teve em conta umcenário o mais realístico possível).
De salientar que, apesar de ser possível fazer uma simulação semelhante nos sites das instituições, os bancários foram eficientes no atendimento e disponibilizaram os dados e as condições da proposta, embora sem mostrar muita fé sobre a eventual aprovação do crédito.
Estrangeiros mais agressivos
Para os mesmos perfis e dados fornecidos, através de simulações pela Internet, conclui-se que a banca espanhola consegue oferecer spreads mais competitivos. A Caixa Galicia, por exemplo, oferece um spread de 0,65%, o que pressupõe uma prestação de €641,88 a 35 anos. Mas cobra €1040 e €211,75 de comissão de abertura e avaliação do imóvel, respetivamente.
O banco espanhol bate os recordes de spread mais baixo, mas tem o custo bancário mais alto para arranque de dossiê. Para um spread de 1,25% o Banco Popular simula uma prestação de €704, também a 35 anos.
O BBVA, o segundo maior banco da Península Ibérica e um dos maiores na Europa, continua a apostar no crédito à habitação e anuncia spreads desde 0,4% e financiamento até 100%. Já o alemão Deutsche Bank, com um spread de 1,85%, avança uma prestação de €741,63,a 35 anos. E o britânico Barclays cobra 1,5% de comissão com uma prestação de €648,13 durante 40 anos. Mas para ter acesso ao crédito no Barclays o simulador obriga a que tenha uma conta à ordem no valor de €1000 remunerando a mesma com uma taxa bruta de 2,396%.
PERFIL DA SIMULAÇÃO
Dois titulares, com 35 e 40 anos, trabalhadores efetivos por conta de outrem, sem conta aberta no banco, com um rendimento anual bruto de cerca de €50 mil, proponentes a adquirir um imóvel em Lisboa, por €200 mil, sem encargos bancários
Artigo publicado no caderno de economia do Expresso de 02/10/2010