Economia

Angola aperta o cerco

Denúncia feita há um ano teve aditamentos em que é pedida investigação a Horácio Roque.

Pedro Lima (www.expresso.pt)

Angola pediu às autoridades judiciais portuguesas que investiguem detalhadamente as transacções de acções do Banif por parte do seu principal accionista, Horácio Roque.

Com isso, o Estado angolano tornou evidente a sua convicção de que Roque não sai isento de culpas na "burla gigantesca" que diz ter sofrido após ter mandatado três testas-de-ferro portugueses para comprar 49% do Banif. No final, Angola não só ficou sem os 150 milhões de dólares (cerca de €104 milhões ao câmbio actual) que diz ter entregue a esses testas-de-ferro, como também nunca recebeu as acções que foram sendo compradas entre 1994 e 2000.

O Expresso sabe que a denúncia inicial, enviada há um ano para a Procuradoria-Geral da República, apenas deixava em aberto a hipótese de Horácio Roque ter colaborado na burla de que Angola diz ter sido alvo. Posteriormente foram feitos dois aditamentos a essa denúncia, nos quais se deixava claro que a actuação de Horácio Roque deveria ser devidamente investigada, em especial as suas relações com os três testas-de-ferro alegadamente contratados para comprar as acções - o advogado Francisco Cruz Martins e os empresários António Figueiredo e Eduardo Capelo Morais.

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O processo, iniciado pelo escritório de advogados Jurilis, passou depois para o escritório de advogados Cuatrecasas, Gonçalves Pereira, tendo ficado então a cargo do ex-ministro socialista da Defesa, António Vitorino. Uma mudança que, de acordo com fontes próximas do processo, terá tido a ver com o interesse de Angola em trabalhar com um advogado próximo do Governo socialista, de forma a conseguir acelerar o processo, dando-lhe peso institucional. Vitorino, contactado a 20 de Agosto pelo Expresso, quando o caso foi revelado, não quis comentar.

O que é certo é que o dossiê não ficou muito tempo nas mãos deste escritório, tendo depois transitado para a sociedade Amaral Blanco, Portela Duarte & Associados, onde está agora.

Esta semana a Procuradoria-Geral da República de Angola divulgou um comunicado em que dizia que o Estado angolano se considera "lesado nos seus interesses patrimoniais em quantia muito relevante, superior a 150 milhões de dólares". E confirmava a "participação criminal contra Francisco Cruz Martins, a quem, em determinado momento histórico, confiou uma tarefa profissional, e outros que aquele identificou como intervenientes no desenvolvimento da referida tarefa".

A denúncia está ainda a ser analisada pelo Ministério Público, prevendo-se para breve uma decisão. Angola pretende recuperar as acções ou, em alternativa, o dinheiro que entregou para a compra das mesmas. Está marcada para este mês uma reunião entre o procurador-geral de Angola e o seu homólogo português, Pinto Monteiro, um sinal de que Angola está a dar grande relevância ao caso.

Horácio Roque já tornou público que apenas soube há cerca de um ano que Angola tinha tentado construir uma posição no Banif e nunca desconfiou que as acções compradas por Cruz Martins fossem para os angolanos. Nega ter comprado ou vendido acções a Angola. Já conversou com o advogado e com os dois empresários sobre o assunto e estes garantiram-lhe que não havia problema nenhum. Em declarações ao jornal "i", referiu que "se o Estado de Angola reclama acções do Banif, esse é um problema do Estado angolano". E quanto às investigações pedidas por Angola, disse ao Expresso que o Banif "é uma casa aberta que é permanentemente acompanhada quer pelo Banco de Portugal quer pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários".

O que é certo é que os advogados de Angola terão questionado a forma como Roque passou dos 15% que tinha na fundação do Banif para os actuais 75%. O presidente do Banif alegadamente vendeu acções acima do valor de mercado a Cruz Martins e depois, mais tarde, voltou a reforçar a sua posição. Ou seja, diz o lado angolano, se houve alguém que ganhou claramente com esta situação foi Horácio Roque.

Mas e quem ficou afinal com o dinheiro? - é a pergunta que toda a gente gostaria de ver respondida. O Expresso sabe que Cruz Martins tem remetido a questão para assuntos internos de Angola. A 21 de Agosto tinha admitido que os actos de que o acusam tinham sido cometidos por outra pessoa. Esta semana, o Expresso tentou voltar a falar com ele, sem sucesso.