Economia

Desvio de fundos atingiu €500 milhões: Ministério Público acusa ex-administradores do BES e BESA

DCIAP fecha mais duas acusações no caso BES: o aumento de capital realizado a escassos meses da queda do banco e a derrocada do BES Angola.

Ricardo Salgado. Foto: Getty Images

O Ministério Público acusa ex-administradores do Banco Espírito Santo e do BES Angola de terem promovido desvios de fundos perto de 500 milhões de euros. Esta é uma das conclusões de um dos dois processos relacionados com o banco de que Ricardo Salgado era o principal rosto que o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) agora concluiu. O outro processo está ligado ao pedido de dinheiro aos acionistas que o BES fez a meses de cair.

No inquérito relacionado com o BES Angola, “foi deduzida acusação contra cinco elementos do Conselho de Administração do BESA e do BES, pela prática de crimes de abuso de confiança agravado, de burla qualificada e de branqueamento agravado, por factos ocorridos no período compreendido entre 2007 e julho de 2014”, de acordo com um comunicado emitido pelo DCIAP esta quinta-feira, 21 de julho.

Não são identificados nomes, mas o "Observador" referiu há dias que Ricardo Salgado e o seu braço-direito financeiro, Amílcar Morais Pires, bem como o antigo presidente do BES Angola, Álvaro Sobrinho, são acusados.

Duas fases nos crimes do BESA

São duas as fases em que se concentram os crimes detetados pelo DCIAP. Houve “concessão de financiamento pelo BES ao BESA, em linhas de crédito de Mercado Monetário Interbancário (MMI) e em descoberto bancário”, que permitiram o “desvio de fundos com essa proveniência, entre 2007 e 2012, em benefício patrimonial de alguns dos arguidos, de estruturas societárias sob domínio dos mesmos e de terceiros” – que não são identificados.

Foi neste campo que “foram apuradas vantagens decorrentes da prática desta atividade criminosa no montante de 265.178.856,09€ e de 210.263.978,84 USD”. Tendo em conta o câmbio atual, que situa este valor em dólares em cerca de 205 milhões de euros, o desvio aproxima-se de 500 milhões de euros.

Já a segunda fase, que vai de outubro de 2013 e julho de 2014, é referente apenas a três administradores do BES. Ocultaram dos restantes administradores, defende o DCIAP, “factos relacionados com o real estado degradado da carteira de crédito do BESA, o que permitiu que o BES continuasse a financiar este último, através da aprovação de novas linhas de MMI e de descobertos bancários”. E foi assim que o BES alcançou uma exposição superior a 4,7 mil milhões de euros ao BES Angola, de que era o acionista minoritário.

Álvaro Sobrinho

Segundo o comunicado que o DCIAP fez em março deste ano, quando determinou uma caução de 6 milhões contra Sobrinho, foi referido que o agora acusado tinha auferido ilegitimamente de benefícios de 340,7 milhões de euros.

Manipulação no aumento de capital

O segundo processo relativamente ao qual o DCIAP concluiu agora a acusação diz respeito ao aumento de capital do BES, sendo que aqui são visados quatro administradores do banco à data (maio de 2014), e uma colaboradora. Os crimes imputados passam pela manipulação de mercado e pela burla qualificada. Há também uma empresa acusada de burla qualificada.

“Os factos em investigação estão relacionados com a Oferta Pública de Subscrição de novas ações do BES, que se concretizou entre maio e junho de 2014. Foram apuradas vantagens decorrentes da prática dos crimes imputados no montante global de 1.044.571.587,80 €”, segundo o comunicado, que não dá grandes pormenores sobre o que está efetivamente em causa.

Foi este o valor que o BES arrecadou no aumento de capital concretizado naquela altura – uma grande maioria dos acionistas que ali aplicaram dinheiro perdeu depois esse dinheiro na resolução determinada a 3 de agosto de 2014.

Casos podem não ir já para julgamento

O Ministério Público deixou estas investigações no DCIAP, por ser o departamento centrado nos crimes de elevada complexidade, sendo que no comunicado refere que contou com a colaboração com “elementos do Núcleo de Assessoria Técnica da Procuradoria-Geral da República, de Inspetores da Polícia Judiciária e de um analista de informação da Guarda Nacional Republicana”.

A esta acusação, os visados podem responder com o pedido para a abertura de instrução, para que haja um juiz a determinar se há bases efetivas para levar o caso para julgamento – que é o que tem acontecido nestes casos de grande complexidade. E depois há possibilidade de recursos.

Temas já foram (e estão a ser) julgados em Santarém

O MP fechou esta acusação quando no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, em Santarém, está a ser julgado o processo de contraordenação que a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários levantou quanto à informação não verdadeira transmitida pelo BES aos acionistas e investidores no aumento de capital – e em que uma delas era a exposição ao BES Angola. Salgado está aí acusado de uma coima de mil milhões de euros.

Já o Banco de Portugal terminou a sua contraordenação nesse campo, que segue agora na justiça. Ricardo Salgado, Amílcar Morais Pires e Rui Silveira foram condenados pelo supervisor, a coimas de 4 milhões, 3,5 milhões e 150 mil euros, respetivamente, no âmbito do processo que foi agregado em Santarém juntamente com o Eurofin. Os recursos dos arguidos foram já rejeitados pelo Tribunal da Relação de Lisboa, mas podem ainda ser contestados.

Quarto processo-crime

Estes dois processos ligados ao BES Angola e ao aumento de capital que o DCIAP concluiu com acusação são processos-crime saídos da queda do BES, depois de o primeiro ter sido já concluído há pouco mais de dois anos.

Nesse, Salgado foi acusado de 65 crimes no inquérito conhecido como Universo Espírito Santo, entre os quais associação criminosa. Há, aí, perto de 30 arguidos. Está em fase de instrução.

No segundo caso, no fim de 2021, o DCIAP tinha acusado oito pessoas (sete singulares, uma jurídica), sendo que Salgado é uma delas, num caso ligado a mercado monetário interbancário e linhas de crédito envolvendo um ex-presidente do Banco do Brasil e fornecedores da petrolífera venezuelana PDVSA. Em causa estavam crimes como corrupção ativa com prejuízo do comércio internacional, branqueamento, corrupção passiva no sector privado e falsificação de documento.