Economia

BCE vai estudar novo instrumento contra a escalada dos juros

Face a uma escalada dos juros da dívida e prémios de risco, o BCE decidiu esta quarta-feira, numa reunião de emergência, acelerar o desenho de um novo mecanismo contra a 'fragmentação' entre Estados-membros

Sede do BCE, em Frankfurt. Foto: Getty Images

As decisões da semana passada do Banco Central Europeu (BCE) para terminar a 1 de julho todo o tipo de compra de títulos e iniciar a subida das taxas de juro na próxima reunião de julho não acalmaram os mercados da dívida.

Pressionados pela alta nos últimos dias nos juros da dívida e nos prémios de risco sobretudo nas economias periféricas - nomeadamente em Itália, a terceira maior economia do euro e a segunda mais endividada em termos de rácio no PIB -, o conselho do BCE reuniu de emergência esta quarta-feira e procurou clarificar o que deixou na prateleira na reunião de 9 de junho, na semana passada: a gestão da flexibilidade nos reinvestimentos dos títulos da sua carteira e a eventualidade de um novo instrumento para combater o disparo dos prémios de risco, uma espécie de "escudo anti-spread".

O BCE decidiu reunir de emergência para "uma troca de pontos de vista sobre a situação do mercado" entre os membros do conselho (comissão executiva e 19 governadores dos bancos centrais nacionais). A agência Reuters anunciou o evento logo no início da sessão dos mercados na Europa e os juros da dívida inverteram, de imediato, a trajetória altista.

Na noite de terça-feira, Isabel Schnabel, membro da comissão executiva, dera um sinal de alarme numa conferência que deu na Universidade da Sorbonne, em Paris, onde falou de "movimentos desordenados no mercado" e reiterou que o BCE podia lançar "instrumentos potencialmente novos".

Riscos de fragmentação ressurgem

Apenas seis dias depois da última reunião, o BCE reconhece, agora, "riscos de fragmentação ressurgentes" e decide acelerar dois movimentos: o da flexibilidade na gestão dos reinvestimentos dos valores dos títulos que tem em carteira e que vão vencendo (no caso, do programa especial PEPP lançado face à pandemia e que foi descontinuado em março) e o de desenhar um novo instrumento para travar a 'fragmentação' no mercado da dívida.

Fragmentação é o termo técnico para designar a disparidade nos juros e nos prémios de risco entre os membros do euro e a aceleração do diferencial entre eles em virtude dos tais "movimentos desordenados nos mercados" com que se insurgiu Schnabel. A título de exemplo, os juros das obrigações alemãs a 10 anos estão em 1,6%, enquanto as taxas portuguesas registam 2,8%, as italianas 3,9% e as gregas 4,3%.

Segundo o comunicado publicado esta quarta-feira, o BCE "irá aplicar flexibilidade no reinvestimento dos resgates a vencer na carteira do PEPP, com vista a preservar o funcionamento do mecanismo de transmissão da política monetária, condição prévia para que o BCE possa cumprir a sua mandato de estabilidade de preços".

Recorde-se que o BCE tem em carteira 1,7 biliões de euros em títulos comprados no âmbito do PEPP entre março de 2020 e março de 2022. Segundo estimativas dos economistas do banco alemão Commerzbank, estão em calha 250 mil milhões de euros em reinvestimentos no PEPP nos próximos 12 meses. A flexibilidade permite redirecionar os valores a reinvestir na dívida do país (em que venceram) para outro, em função, precisamente, dos movimentos "desordenados" do mercado que se verificarem.

E, complementarmente, "o Conselho do BCE decidiu mandatar os comités relevantes do Eurosistema, juntamente com os serviços do BCE, para acelerar a conclusão da conceção de um novo instrumento anti-fragmentação para apreciação do Conselho do BCE", o mais tardar na reunião de julho (onde se iniciará a subida das taxas diretoras).

Em aberto o desenho do 'escudo anti-spread'

Christine Lagarde já tinha prometido na semana passada que o BCE "tal como no passado" poderia avançar, em caso de necessidade, com um "novo instrumento". Mario Draghi, em 2012, face aos movimentos especulativos no mercado da dívida do euro, criou um novo instrumento, o OMT (Transações Monetárias Definitivas, na tradução em português), que nunca chegou a ser usado e que seria mais tarde, desde 2014 e 2015, suplantado pelo programa global de compra de ativos designado pela sigla APP. O OMT dispunha-se a adquirir dívida no mercado secundário mas exigia condições para os estados-membros cumprirem. O APP, lançado posteriormente, não associava qualquer condicionalidade. Face à pandemia, Christine Lagarde avançou com o programa especial PEPP, também sem qualquer condicionalidade adicionada.

Alguns analistas adiantam que um dos pontos de polémica dentro do conselho do BCE será adicionar alguma condicionalidade ao escudo anti-spread, o que é, sempre, politicamente sensível face a situações tão incertas como os resultados da segunda volta este mês das eleições legislativas em França ou das próximas eleições para deputados e senadores em Itália até 28 de maio de 2023.

Disparo dos juros no início da semana

A situação tornara-se insustentável nos dois primeiros dias desta semana. A título de exemplo, os juros da dívida portuguesa a 10 anos ultrapassaram a barreira dos 3%, num máximo de cinco anos, e as previsões para daqui a um ano apontaram para taxas acima da linha vermelha de 7%. O prémio de risco atingiu mais de 140 pontos-base (equivalente a 1,4 pontos percentuais de diferença em relação ao custo da dívida alemã que serve de referência), um máximo desde o início do ano.

Após o anúncio das decisões da reunião de emergência, os juros da dívida portuguesa a 10 anos desceram de um máximo do dia de 3,1% para 2,8% e o prémio de risco caiu de 130 para 120 pontos-base.