Economia

Fevereiro vermelho nos mercados. Índice mundial caiu 2,6% e preços de matérias-primas subiram 5,4%

A alteração do quadro geopolítico na Europa com a invasão russa da Ucrânia provocou em fevereiro perdas superiores a 1 bilião de euros nas bolsas. As principais vítimas foram as praças da Rússia e Ucrânia e o arco de mercados emergentes vizinhos. Lisboa registou uma ligeira quebra

Foto: Getty Images

Os mercados de ações estão a acumular no início de 2022 perdas significativas, depois de dois anos consecutivos de subidas apesar do custo económico e em vidas da pandemia da covid-19. Em fevereiro, o mercado bolsista mundial caiu 2,6%, segundo o índice global fornecido esta terça-feira pela consultora financeira MSCI. Em janeiro, afundara-se 5%.

À pressão do surto inflacionista e do aperto generalizado da política monetária fazendo disparar o nervosismo dos investidores, juntou-se, na última semana de fevereiro, a alteração radical do quadro geopolítico na Europa com o avanço da Rússia para uma invasão global da Ucrânia, a nuclearização do aliado bielorusso e a ameaça de estado de prontidão do arsenal nuclear de Moscovo. Como refere esta terça-feira o comunicado do Banco da Reserva da Austrália, o regresso da guerra na Europa introduziu “uma nova fonte de incerteza” para os mercados financeiros.

Segundo estimativas do Expresso, o rombo bolsista em fevereiro pode equivaler a perdas superiores a 1 bilião de euros. Em janeiro, as perdas somaram 2,6 biliões de dólares (2,3 biliões de euros, ao câmbio da altura), reduzindo a capitalização mundial para 122 biliões de dólares (109 biliões de euros ao câmbio da altura), tomando em consideração os dados fornecidos esta semana pela World Federation of Exchanges, que monitoriza 70 bolsas à escala mundial. As bolsas fecharam 2021 com uma capitalização recorde de 124,6 biliões de dólares (cerca de 110 biliões de euros, ao câmbio da altura). Note-se que, em virtude das flutuações cambiais de dezembro a fevereiro, os valores em euros não são comparáveis.

Principais vítimas: os beligerantes e os seus vizinhos

As maiores quebras bolsistas centraram-se nas praças de Moscovo e de Kiev, com os índices MSCI a afundarem-se em fevereiro 53% e 41%, respetivamente. Em Moscovo, onde a bolsa esteve encerrada na segunda-feira (e continua fechada esta terça-feira), pesos pesados como os dois principais bancos registaram quebras mensais históricas: 49% no caso do Sberbank (o maior banco russo) e 54% para o VTB (o segundo maior).

Em fevereiro, um dos gigantes da energia, a Rosneft, caiu 46% e os líderes da Internet VK (uma espécie de Facebook russo) e o portal da web Yandex quebraram 51% e 44% respetivamente. Na Bolsa de Londres, as cotações do Sberbank afundaram-se 92% e da Rosneft caíram 63% no mesmo período. O portal Yandex viu a cotação no Nasdaq perder 61% em fevereiro. Foi uma das oito cotadas russas que temporariamente foram excluídas da negociação no Nasdaq e no New York Stock Exchange a partir de 1 de março.

A Rússia viu o seu mercado de ações ser o mais penalizado no mundo em fevereiro e a sua divisa, o rublo, caiu 40% face ao euro. Para se adquirir um euro, agora são precisos mais 35 rublos do que no final de janeiro. No último dia do mês, o rublo disparou 30% em três horas e meia de negociação na abertura. Uma desvalorização de dois dígitos durante uma sessão só ocorreu em duas outras ocasiões: durante a crise financeira russa de 1998 e no final de 2014 na sequência das sanções contra a anexação da Crimeia pela Rússia.

O Banco Central da Rússia viu-se obrigado a tomar decisões de emergência, fazendo disparar a taxa diretora para mais do dobro (de 9,5% para 20%), introduzindo algumas medidas de controlo de capitais, fechando a bolsa de valores no último dia de fevereiro, e avançando com medidas de liquidez para o sistema bancário que a governadora Elvira Nabiullina estimou em 900 mil milhões de rubos (8,6 mil milhões de euros, ao câmbio oficial desta terça-feira). A desconexão de parte importante do sistema bancário russo do sistema SWIFT e o congelamento de parte dos ativos que o Banco Central tem na Europa e no Banco da Reserva Federal de Nova Iorque limitam, agora, a margem de manobra da economia russa.

O segundo anel do impacto financeiro da invasão foi sentido nas praças vizinhas. O país mais afetado em fevereiro foi a Hungria, com o índice MSCI a quebrar 26%, seguida da Eslovénia (-23%), Cazaquistão (-21%), Áustria (-15%) e Polónia (-11.9%). Em Budapeste e Viena foram os bancos fortemente expostos à Rússia os mais afetados. Em Varsóvia os grupos do vestuário e do calçado. O índice MSCI para os mercados emergentes europeus afundou-se 26%.

Zona euro foi a região mais afetada, mas Lisboa registou uma descida marginal

Entre as principais regiões dos mercados financeiros, em fevereiro, o índice bolsista para a zona euro caiu 4,5%. A região da moeda única é a que, no mundo, mais sente o impacto da alteração do quadro geopolítico nas suas fronteiras orientais.

A queda foi superior à registada em Nova Iorque (onde estão as duas principais bolsas mundiais, o NYSE e Nasdaq, representando 42% da capitalização mundial), que recuou 2,9%, e muito maior do que na Ásia Pacífico que perdeu 1,8%, segundo os índices MSCI para fevereiro divulgados esta terça-feira. Em contracorrente, a América Latina registou ganhos de 4%, com as praças da cidade do México e de São Paulo a destacarem-se.

Na zona euro, as bolsas mais afetadas foram as da Eslovénia e Áustria com quebras mensais na ordem dos dois dígitos, como já referido. O índice das 50 principais cotadas da zona euro, o Eurostoxx 50, caiu 5,1% em fevereiro, com o rombo maior a afetar dois bancos, o ING holandês e o BNP Paribas francês, com perdas de dois dígitos.

A bolsa de Lisboa registou uma quebra marginal, sendo a única praça da zona euro a sofrer ligeiramente o tsunami financeiro. O PSI-20 desceu de 5564,35 pontos no final de janeiro para 5563,14 no final de fevereiro. A EDP Renováveis registou uma valorização mensal perto de 20%.

Na Europa, escaparam ao vermelho em fevereiro, apenas as bolsas da Noruega, Dinamarca e Reino Unido (apesar de ter diversos pesos pesados russos no índice das 100 principais cotadas).

Na Ásia, a terceira maior bolsa do Mundo, Xangai, registou um ganho mensal de 3% e a quarta maior, Shenzhen (que ultrapassou Tóquio em capitalização em janeiro), subiu 0,9%. As outras bolsas mais importantes da região perderam em fevereiro: 0,7% em Tóquio, 1,4% em Mumbai e 2,8% em Hong Kong. China (onde o Banco Central da Rússia terá depositadas 14% das suas reservas) e Índia (60% do armamento é de origem russa) foram duas das grandes potências com assento no Conselho de Segurança que se abstiveram na condenação da invasão russa. O sistema de pagamentos interbancários transfronteiriços CIPS, criado pelos chineses em 2015, surge. agora, como alternativa parcial à desconeção da Rússia do sistema SWIFT.

Surto inflacionário alimentado pela trilogia da energia, alimentação e metais

O índice global para as principais matérias-primas CRB subiu em fevereiro 5,4% e o índice Baltic Dry, que monitoriza os preços dos fretes do transporte marítimo de matérias-primas, disparou 44%.

O surto inflacionário nos preços na produção e no consumidor está a ser alimentado por três grupos de matérias-primas: energia, produtos alimentares e florestais, e metais. Em fevereiro, nos mercados do Reino Unido e dos Estados Unidos, a madeira (30%), o trigo (19%) e a gasolina (16%) lideraram as subidas.  Os preços do níquel e do alumínio aumentaram 12%. No mercado europeu, o preço do gás natural subiu 25% em fevereiro. Fechou em 96,12 euros por megawatt-hora, tendo registado um pico de mais de 134 euros no dia da invasão.

O preço do barril de petróleo de Brent, referência na Europa, subiu 8% em fevereiro, fechando a 98,16 dólares. No dia da invasão da Ucrânia, chegou a 105,79 dólares.

Os dados para a inflação na zona euro em fevereiro só serão divulgados dia 2 de março. Das estimativas já publicadas, a inflação em Portugal subiu para 4,2%, um máximo mensal de mais de uma década, e em Espanha para 7,4%, um recorde desde 1989. Na Alemanha subiu para 5,1% e em Itália para 5,7%. Os analistas do banco alemão Commerzbank apontam para a inflação na zona euro em fevereiro atingir 5,7%, um novo máximo desde a criação do Banco Central Europeu em 1998. Em janeiro subiu para 5,1%.

Nos metais preciosos, o preço do ouro subiu 10% e o da prata 7%. A capitalização do mercado de criptomoedas valorizou.se em fevereiro em 9%, atingindo agora 1,91 biliões de dólares (1,6 biliões de euros).

Bancos centrais continuam a apertar, mas subida dos juros da dívida na zona euro está contida

Em fevereiro, 19 bancos centrais aumentaram as taxas diretoras, com destaque para o Banco Central da Rússia, que as subiu de 8,5% para 9,5% no início de fevereiro, e depois, na segunda-feira, para 20%, uma das mais altas do mundo. Nesse grupo encontram-se dois bancos centrais de economias desenvolvidas (Nova Zelândia e Reino Unido) e de mercados emergentes da União Europeia fora do euro (Hungria, Chéquia, Polónia e Roménia).

Apesar da continuação do movimento global de aperto da política monetária, incluindo algumas decisões já tomadas pelo Banco Central Europeu (como a descontinuação do programa especial PEPP em março), os juros (yields) das obrigações dos membros do euro revelam uma trajetória de subida contida no mercado secundário (o mercado onde se transacionam os títulos entre os investidores).

Em fevereiro, no prazo a 10 anos, os juros subiram de 0,672% para 0,985% no caso das obrigações portuguesas, e de 0,01% para 0,1% nos títulos alemães que servem de referência na zona euro. A invasão da Ucrânia não provocou, no entanto, um disparo. Pelo contrário, naquele prazo de referência, os juros dos títulos portugueses fecharam fevereiro abaixo de 1%, o que já não acontecia desde o início desse mês.

A trajetória inverteu-se – como continua a ser visível nesta primeira sessão de março - e os juros dos títulos dos membros do euro estão em queda à espera da reunião de 10 março do BCE, que enfrenta um dilema. Ter de lidar, por um lado, com a aceleração do surto inflacionário e, por outro, com um choque geopolítico inesperado que poderá travar a recuperação em curso e exigir mais esforço orçamental e apoio monetário. A guerra nas fronteiras da Europa pode eventualmente empurrar a zona euro para uma situação de estagflação, o termo que os economistas usam para uma conjuntura de alta inflação e estagnação económica.

Segundo o analista financeiro Marc Chandler, de Wall Street, os mercados já estão a reduzir as probabilidades de subidas significativas das taxas diretoras da Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed) e do Banco de Inglaterra (BoE) nas reuniões de 16 e 17 de março. No caso da Fed seria a primeira de um ciclo de subidas e para o BoE seria a terceira mexida em alta desde 20 de dezembro. Em 20 de dezembro, o BoE subiu a taxa de 0% (igual à do BCE) para 0,25% e em meados de fevereiro para 0,5%.